domingo, 27 de fevereiro de 2011

MOACYR SCLIAR

Maurelio Menezes

Sempre tive para mim que a morte de um corpo nada mais é que a certeza do não encontrá-lo jamais. O mais, são representações que dela se fazem. Quando morre um corpo como o de Moacir Scliar, fico imaginando que além da certeza de não encontrá-lo jamais, todos nós corremos o risco de não encontrar alguém que faça da vida uma doação como ele sempre fez.


Desde seu primeiro livro no final dos anos 60, quando lutávamos contra um estado que não interessava a nossos sonhos de país (na verdade ele já escrevera antes, mas não considerava "escritos profissionais") até o ultimo, lançado no ano passado, tres meses antes do "derrame cerebral" que acabaria por matá-lo hoje de madrugada, Scliar foi intenso e denso.

Não se contentou apenas com o escrever esse oficio que, de acordo com Rainer Maria Rilke só se deve exercer se ele for necessário à vida, se ele for o oxigênio que impede a morte. Talvez tenha sido um dos principais educadores na área de saude, num país onde educação e saúde são tão abandonados. Quando ele foi para Israel fazer pós graduação em saude comunitária, foi pensando que apenas o teclado não seria suficiente para ajudar esse pais a se tornar, pelo menos, um país menos injusto.Tinha razão.

Criou personagens maravilhosamente reais, como o João Mortalha, de "A Majestade do Xingu", um grileiro do Xingu que pretendia se tornar proprietario de terras indigenas dizimando os donos originais. Chega a planejar distribuir roupas infectadas com virus da varíola aos indios, mas seus planos são abortados pelo sanitarista Noel Nutels, que acabara de chegar a Mato Grosso e vacinado os indios da região. Quantos "Joões Mortalhas" existem hoje, não?

Hoje e amanhã vamos ouvir e ler muito o mais comum dos lugares: "A literatura brasileira está mais pobre", "O Brasil amanheceu mais pobre". Esses lugares comuns também são verdadeiros. Eu, por minha vez, estou com um pouco mais de medo. Medo que a cada Scliar que morra não surja outro para se doar como ele o fez, que seja capaz de fazer do dia a dia uma ferramenta para melhorar esse país, uma obrigação de todos nós, mas que nem todos assumimos como nossa.