terça-feira, 8 de abril de 2014

A CUIABA DE ONTEM E DE HOJE

Maurelio Menezes

Hoje na Folha do Estao de Mato Grosso, tanto na Edição Impressa quanto na Diigital meu olhar sobre os 295 anos de Cuiabá, uma menina que está sendo muito maltratada exatemente por quem deveria enchê-la de cainho.



ERA UMA VEZ...    UMA MENINA

Quando ela nasceu, era um daqueles bebês apaixonantes que só nascem um em vários séculos. À sua volta os rios e riachos corriam fazendo aquele barulho gostoso que faz bem aos ouvidos e à alma. As flores e as árvores pareciam guardar seus passos. No solo a imensidão do verde. No céu a imensidão do azul. O destino dela estava traçado. Seria, em poucos anos, a mais atrativa do país. O ano era 1719 e logo a fama da riqueza daquela menina correu léguas e mais léguas. Em pouco tempo nela havia 30 mil pessoas, aventureiros em busca de parte de suas riquezas... A corrida ao encontro dela foi tão grande que decidiram que ela seria a capital de São Paulo. Nada mais justo, porque àquela altura, 1723, ela já era a cidade mais populosa do país.
Depois, como chegaram eles se foram... Restavam poucos E os contatos com a capital, que voltara a ser São Paulo, era feito via bandeirantes desbravadores. Eles saiam navegando pelo Tietê, aquele mesmo que alguns séculos depois foi transformado pelo homem num grande esgoto, viravam à esquerda no rio Paraná, entravam pelo rio Paraguai, navegavam até o encontro de suas águas com as do Cuiabá e vinham até o Porto, atracando às  margens da Prainha, um córrego lindo, cuja nascente alguns quilômetros acima ela bonita de se ver. No Porto ficavam as embarcações maiores e nas menores eles traziam até o encontro da Rua de Cima com a Rua de Baixo e a Rua do Meio, víveres, que trocavam por ouro e pedras preciosas...
Os anos se passaram... As margens da Prainha jovens mancebos com seus corpos queimados passavam o tempo envolvidos na pesca, especialmente do pintado, que abundava no córrego, que tinha em alguns lugares águas profundas. “Era ali –lembrou certa vez a professora Dunga Rodrigues- que as jovens da sociedade iam passear.” O passeio, é claro era uma desculpa.  Do outro lado do córrego, as lavadeiras, que tudo sabiam, que tudo falavam...
Eram tempos em que após as grandes chuvas, a criançada saia catando ouro nas ruas. E sempre achavam. Eram tempos de “cajiú”, de pixé, de cururu e siriri. Mas a modernidade acabou com isso. O Córrego da Prainha ganhou primeiro, paredes, depois foi coberto, escondido, porque era vergonhoso ver no que ele se transformara: um grande esgoto, um Tietê em miniatura.
295 anos depois, é triste, muito triste, lembrar como a história conta como foi essa menina, uma menina, com um coração sem tamanho, capaz de receber nele de forma aberta todos que até ela chegam. E chegam pelos mais diversos motivos. Chegam porque anteveem uma nova oportunidade. Chegam porque são obrigados por transferências compulsórias, chegam para “assuntar” o ambiente. Chegam por chegam. Chegam porque onde estavam se tornara impossível de viver. Chegam e ficam, a maioria. Chegam e vão embora, a minoria.
Hoje, aquela menina que nasceu em 1719, não está mais rodeada de verde. Seus rios e riachos foram transformados em esgotos ou quase esgotos. Muitos sumiram, deixaram de ser perenes porque suas nascentes foram assassinadas pela ação destruidora do homem. Os serviços que a cada ano tornaram-se mais necessários porque a menina cresceu, melhoraram muito, mas só na propaganda. Na realidade estão a cada dia piores.
Não existe um sistema de saúde digno para aqueles que vivem com a menininha de 295 anos. Não existe uma educação que privilegie o crescimento do ser humano como Ser Humano. Transporte nem se fala. Não existe estrutura para nada. Um chuvisco de cinco minutos e tudo está alagado. Com certeza, ao nascer, aquela menina não imaginava que um dia passaria por isso. Nem ela, nem ninguém.
De qualquer forma, menina, parabéns pelos seus 295 anos. Que cada um de nós façamos uma autocrítica sobre o que, feitas as devidas e honrosas exceções, estamos fazendo com você, que se abriu para nós e tem recebido em troca, em vez de flores e afagos, apenas o abandono.