quarta-feira, 16 de julho de 2014

OS LEGADOS DA COPA

Maurelio Menezes*

 Acabou-se o que era doce. Foram-se os dias de alegria e nem mesmo ficou o que seria o legado da Copa: obras de infraestrutura que melhorariam a mobilidade urbana em todo o país.

Em Cuiabá foram inauguradas quatro ou cinco obras de qualidade duvidosa, especialmente depois que desabou o viaduto em Belo Horizonte, que uma das obras daqui uma semana depois da inauguração apresentou infiltração e em outra, o asfalto já precisou ser remendado. A cidade foi maquiada nos dias em que aqui houve jogos e agora volta a ser um canteiro de obras, mas num ritmo muito mais lento do que antes. Em algumas destas obras há meia dúzia de trabalhadores pegando no pesado. As ruas estão cheias de buracos a sinalização errada em vários pontos.

Em época de eleição o governo tira o dele da reta e afirma a todo momento: “O dinheiro é federal, mas a responsabilidade pela execução é das prefeituras e dos estados. Em outras palavras “Nossa candidata não tem nada a ver com isso”. Ou “A incompetência é local e não federal”.

Mas a Copa deixa outros legados. Descobriu-se que o brasileiro tem um pouco de cuiabanidade, pois todos os turistas que passaram pelo país elogiaram a forma como foram tratados. Isso é bem do cuiabano que sempre recebeu bem quem por aqui passou e quem aqui veio e fez de Cuiabá sua terra. Os quatro jogos que foram realizados aqui foram uma grande festa. Chilenos, australianos, russos, colombianos, nigerianos, coreanos, japoneses e bósnios sentiram-se em casa.

O grande legado, afirmam alguns jornalistas, seria a policia conseguir provar que a FIFA faz parte da máfia dos cambistas, parcialmente desbaratada no Rio. Não está muito longe disto já que a empresa que esta sendo acusada de repassar ingressos para cambistas tem como um dos acionistas o sobrinho do presidente da FIFA, que nega tudo. E não era de se esperar outra coisa.

Outro legado foi o crescimento das mídias sociais na cobertura da Copa. Debateu-se sobre sua inutilidade, sobre os jogos, sobre o absurdo de se torcer para esta ou aquela seleção, fez se muitas piadas e falou-se de muita coisa séria, o que característica própria da internet, que dá ao cidadão o poder de expor seu pensamento sem censura ou patrulhamento de quem quer que seja.

Um legado que ainda não ficou foi o brasileiro dirigir a energia que despendeu na Copa para uma transformação radical no país. O que está ai não serve e isso precisa ficar claro. Recorro mais uma vez às sábias palavras do Professor Geovani Semeraro: “Em nenhum pais o sistema fez tão mal quanto vem fazendo ao Brasil”. Em outubro teremos eleições e será uma boa oportunidade para se dar inicio a esta mudança, primeiro riscando os oportunistas que se elegem para um cargo e um ano depois do mandato já estão concorrendo a outro que certamente lhe trará mais proveito. E exigindo as mudanças pelas quais fomos às ruas em junho/julho do ano passado. E essa cobrança tem que começar já.

Sobre a derrota que para muitos foi vexatória para a Alemanha, nada demais. O país de Ângela Merkel ganha do Brasil de goleada em todos os quesitos que você quiser. Na educação tem um projeto pedagógico de fazer inveja ao nosso. A Alemanha investe cerca de 10 mil dólares/ano por aluno. O Brasil investe 2 mil, ou seja, na educação a g0leada é de 10 a 2. Mas tem outros detalhes. O salário de um professor da educação básica no Brasil é pouco mais de 500 dólares mês (embora, com qualificação cheque a dois mil dólares). Na Alemanha é de 30 mil dólares. Na saúde a comparação é mais triste ainda. Lá não se vê ninguém morrendo em porta de hospital, muito menos quando se passa mal na frente deste hospital.

Em termos de ciência, a maioria das escolas brasileiras não tem laboratório próprio. Na Alemanha, todas têm. O resultado é que nos últimos anos os alemães registraram 20 vezes mais patentes que os brasileiros. Ou seja, a goleada aqui foi de 20 a 0. E se pensarmos sem termos de prêmio Nobel, a goleada é mais vergonhosa ainda: 103 a 0.

Pensando bem, este outro legado da Copa, os supostos vexatórios 7 x 1 no Mineirão, até que ficaram barato.    

quarta-feira, 9 de julho de 2014

DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS TODOS

Maurelio Menezes
 
* Pergunta de uma senhora, na Estação do Pão, terça-feira, inicio da noite: “Será que eles pensam que nós somos idiotas tentando nos convencer que aquele ex Secretário foi assassinado por ciúmes?” Realmente é de se estranhar que menos de 24 horas depois da descoberta do corpo, a polícia já tenha resolvido o caso e, como disse o delegado, “está descartada qualquer outra hipótese como queima de arquivo”. É bem possível. Afinal, para o Poder Público, o brasileiro sempre acreditou em Papai Noel e em Coelhinho da Páscoa.

* Sobre Brasil e Alemanha, interessante a entrevista do David Luiz depois do jogo “Eu queria muito dar essa alegria ao povo tão sofrido, tão maltratado, tão... [...]”. O problema dessa Copa é que ela nasceu errada, como um projeto político partidário. O grande legado que ela nos deixará, como afirmou o petista Juca Kfouri, “é ter desmascarado a FIFA como integrante de uma grande máfia envolvida até na venda de ingresso por cambistas”. Mas nem isso até agora foi conseguido porque a apuração da polícia segue seu trâmite normal. E não vai ser resolvida de um dia pro outro, como num passe de mágica.

* Nas Mídias Sociais rolou de tudo. Posts engraçados, outros nem tanto, alguns sérios, outros sérios, mas um pouco exagerados. Alguns deles:

* “Isso representa mais que um simples jogo. Representa a vitória da competência sobre a malandragem. [...] O grande legado dessa copa é o exemplo para gerações futuras. [...] Amar a Pátria num jogo de futebol e no outro dia sair roubando, matando por ai ou cometendo pequenos delitos, seja ele qual for, furando fila, fazendo uma gambiarra, dando, enfim, o jeitinho brasileiro, vai nos manter sempre como estamos, sem possibilidade de construirmos um país melhor”

* “Não vou sair no quintal. É que tenho um pastor alemão e quando me ver em vez de latir, vai rir”

* Sobre uma foto da Dilma “A Copa tava comprada. Vocês me vaiaram e eu sustei o cheque”.

* “Por isso prefiro o UFC. Lá, quando alguém esta apanhando muito, o juiz interrompe.”

* “Urgente, Advogado do Fluminense vai entrar com um recurso para anular o jogo. De acordo com ele o alvará do Mineirão é para jogos de futebol e não para bailes”

* “Na moral... A Alemanha não destrói um país assim desde a segunda guerra mundial”

* “Espero que todos nós, brasileiros, sejamos tão patriotas nas urnas quanto o hino cantado lindamente pela torcida. Aliás, a minha torcida não é pelo futebol e sim pelo país. Cresce, Brasil! Cresce!!!” (Eduardo Mahon)

*Vergonha não é perder jogo ou campeonato. Vergonha é o índice de nosso IDH, a taxa de criminalidade em nossa sociedade e os níveis de corrupção do País. Vergonha é viaduto cair antes de ser inaugurado, pacientes deitados no chão em corredores de hospitais, crianças em escolas sem condições, professores mal preparados e mal remunerados! Isso sim é vergonha!” (Luiza Volpato)

Em 1982, no dia seguinte da derrota daquela seleção mágica para a fraca Itália, o poeta Carlos Drummond de Andrade, usou a primeira página do Caderno B do Jornal do Brasil para uma crônica maravilhosa, ilustrada por um passarinho ferido, com a bandeira nas costas (a musica “Voa, Passarinho Voa” embalava a seleção de Telê Santana que tinha Toninho Cerezo, Zico, Eder, Falcão, Sócrates, Junior e companhia). Drummond se referindo ao inicio do ano em que o brasileiro nada construíra porque o carnaval estava chegando e depois continuou sem construir à espera da vitória da seleção que jogava por música. E encerrava perguntando: “Que tal se agora começássemos a trabalhar porque já estamos no meio do ano?”

Pois é... Que tal se agora começássemos a trabalhar? Afinal estamos no meio do ano e que se começássemos por mostrar ao Poder Público que não acreditamos em Papai Noel e em Coelhinho da Páscoa?

quarta-feira, 2 de julho de 2014

A VOZ DAS RUAS, UM ANO DEPOIS


Maurelio Menezes

 

Há quem diga que a partir do final da Copa as manifestações nas ruas vão se intensificar. Evidentemente que por trás delas haverá interesses inconfessáveis. Em São Paulo atingir o governo tucano, no Rio  o peemedebista. Em outros estados, atingir os governos petistas (e seus aliados) e em especial o governo federal. Aqui em Mato Grosso, por exemplo, o alvo será, sem dúvida o PMDB que, no apagar das luzes, fez um acerto com o PT para apoiar Lúdio, candidato do PT.

Com isso dançou o ex Juiz Federal Julier que foi convencido a se filiar ao partido para ser seu candidato ao Governo. Acreditou e dançou como já dançara antes o dono do grupo Gazeta, Dorileo Leal.

Em São Paulo, Maluf, deu asas ao candidato do PT, Alexandre Padilha, posou para foto com ele e o candidato petista chegou a, numa entrevista a dizer que não há como se fazer uma omelete sem quebrar ovos, referindo-se ao apoio do PP de Paulo Maluf à sua candidatura, empacada nos 4 por cento nas pesquisas. Maluf. No ultimo dia das convenções, deu o golpe e sabe-se lá por quais argumentos, bandeou-se para o PMDB de Paulo Skaf, ex- presidente da FIESP.

Essas amarrações (ou ficaria melhor armações?) políticas são resolvidas às escondidas, por uma meia dúzia de iluminados e as convenções se transformam em puras encenações.

Agora com os jogos da Copa ficou ainda mais fácil. Sábado, durante  o jogo (ou logo depois dele) vários desses caciques se reuniram pelo país afora, fizeram os acertos. Depois na segunda feira, reuniram os convencionais e apresentaram a eles a chapa pronta e fechada. A maior parte de mídia aqui em Mato Grosso noticiou que o PMDB era cortejado por diversos partidos, mas preferiu o PT e ainda emplacou a Deputada Tetê Bezerra como candidata a vice de Lúdio Cabral.  Na verdade a candidatura da deputada foi imposta como condição para o apoio, que significa um bom tempo na TV. Tudo foi decidido na sede do PR, outro aliado, no sábado, logo depois do jogo da seleção.

Essa foi um dos gritos nas ruas em junho do ano passado: acabar com essa política do toma lá dá cá, da negociação nada republicana, da enganação. E isso não mudou nada. O grito foi em vão. Ou não entenderam o que as ruas pediam ou fingiram que não entenderam porque na eleição que vem por aí os métodos serão os mesmos de tantas outras que levaram nosso país e instituições como o Congresso ao que eles são hoje. O Congresso, as Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores têm tão pouca credibilidade que até o ex presidente Sarney disse ao anunciar que não vai se candidatar mais a cargo publico algum que vai continuar na política mas não quer exercer mais cargo público porque a política está desestimulante.

A mini reforma política aprovada pelo Congresso, sem ouvir o povo, não valerá para a eleição de outubro. Não há interesse que ela valha. Eles querem continuar a fazer da coisa pública um brinquedo e uma forma de enriquecimento ilícito.

O Congresso e a Assembléia que aí estão não nos representam, gritamos todos nas ruas há exatamente um ano. E o que será eleito continuará a não nos representar. O governo por sua vez continua a dar dinheiro aos empresários e finge estar acabando com a pobreza no país. Só com o Imposto Sobre Produtos Industrializados que deixou de receber das revendedoras deixou de arrecadar ate agora mais de 15 bilhões de reais, dinheiro que poderia ser investido em educação e saúde, outro grito das ruas há um ano. Mas o governo prefere, como um Silvio Santos da vida, jogar dinheiro para um auditório seleto.

A saúde continua como estava ou pior. Na educação a novidade foi a aprovação do PNE, que estava tramitando há três anos e que não mexe no essencial: o financiamento da educação pública e principalmente o projeto político pedagógico da educação brasileira, uma educação que, como já escrevi aqui, tem o objetivo de manter o poder hegemônico como está.

Não é uma educação transformadora porque não cria no aluno o espírito crítico que ele, como cidadão, precisa ter para transformar a sociedade e impedir que algumas das falcatruas citadas acima não se repitam. Quando isso vai acontecer? Quando nós nos posicionarmos contra o que ai está, quando sairmos do estado de anomia em que vivemos, essa quase passividade que nos transforma a todos em simples subalternos.