Este artigo, assinado por Luiz Pinguelli Rosa, foi publicado ontem em O Globo. Antes que os defensores da mediocridade presente nas cabeças coroadas de Brasilia se arvorem em afirmar que o Globo faz parte do PIG, essa sigla boba criada por eles, o artigo foi reproduzido em centenas de blogs e jornais on line, representantes das correntes mais distintas. Entre eles o Jornal da CIência da SBPC, o Brasiliasnas.org, o Blog do Nassif, além de estar, por exemplo, no portal do Ministério do Planejamento...
O artigo denuncia o que nós denunciamos durante a greve que durou 127 dias nas Universidades Federais e é resultado do sindicalismo oficial que, como todos sabem tem inspiração facista e é conhecido por suas práticas nazistas...
Vale a pena ler cada uma das linhas e, a partir delas, fazer uma profuna reflexão do que setá fazendo com o ensino superior no país. Para quem pensa o Brasil desapaixonadamente, será impossivel não não ver nessa posição do Governo Federal algo muito parecido com as praticas da censura absurda do regime militar. E isso não é bom para ninguem, muito meno spara o pais.
UM ALMOÇO PARA EINSTEIN
Luiz Pinguelli Rosa |
"A revolução dos bichos" ("Animal farm", no título original), sátira de George Orwell ao stalinismo por trair a revolução socialista, tinha também uma cartilha, com sete mandamentos: tudo o que ande sobre duas pernas é inimigo; tudo o que ande sobre quatro pernas ou tenha asas é amigo; nenhum animal usará roupas; nenhum animal dormirá em cama; nenhum animal beberá álcool; nenhum animal matará outro animal; todos os animais são iguais.
Há contradição, arbitrariedades, burocracia idiota, moralismo hipócrita e pontos éticos e corretos. Embora ficção, essa cartilha é paradigmática.
Na cartilha da CGU e do MEC, há contradições e interpretações que confrontam a Constituição. Se a cartilha for seguida à risca, nenhum professor em dedicação exclusiva poderá possuir ações de empresas, nem mesmo da Petrobras ou do Banco do Brasil, o que é um absurdo. Também não poderá participar de sociedade privada, logo os pesquisadores terão que abdicar de sociedades científicas, como a SBPC, e de outras, como o Clube de Engenharia. O item 11, por exemplo, limita a autonomia universitária listando leis e decretos e omitindo artigos da Constituição. Outros itens tratam colegiados acadêmicos como corporativos e ameaçam seus membros. O objetivo é incutir o medo que costuma paralisar as pessoas.
Alguns auditores da CGU, articulados com elementos da Procuradoria da República no Rio, promoveram acusações a Aloísio Teixeira e Carlos Levi, ex-reitor e atual reitor da UFRJ, respectivamente, e a outros colegas da reitoria (No fim da década de 1960, existiram, na UFRJ, os atingidos pelo AI-5. Agora, haverá os atingidos pelos órgãos de controle, especialmente o professor Geraldo Nunes, que o relatório da CGU demite, sem existir um processo específico contra ele na UFRJ e sem passar pelos colegiados.) As acusações foram refutadas na sua essência pelo Conselho Universitário. Aloísio faleceu. Teve em vida reconhecimento, além de acadêmico, pela posição democrática coerente desde a oposição de esquerda à ditadura. Levi, um dos criadores do LabOceano, o primeiro do moderno Parque Tecnológico da UFRJ, foi inocentado pelo colegiado da própria CGU de acusações sem pé nem cabeça: comprovou-se que os recursos foram gastos em obras e atividades acadêmicas por meio da Fundação José Bonifácio, da universidade.
Infelizmente, para a mentalidade conservadora e juridicista que entrava o serviço público, tudo o que moderniza a gestão do Estado é inimigo, até mesmo as fundações de apoio, criadas por lei com esse propósito. Por sua vez, tudo o que segue o caminho mais complicado e demorado é amigo: para seguir as regras da cartilha, doentes podem morrer sem remédios e estudantes podem ficar sem laboratórios. Querem até licitar a folha de pagamento da UFRJ, feita há décadas por meio do Banco do Brasil! A quem serve isso? A algum grande banco. Isso combate a corrupção ou a estimula?
São muitas as proibições que estimulam o imobilismo e a indolência, pois qualquer iniciativa acadêmica pode violar algo. O deputado Chico Alencar contou 3,7 milhões de leis "no país da cultura bacharelesca". Uma denúncia anônima mentirosa - disparada como um míssil por um inimigo pessoal - pode levar um colega sério a ser alvo de perseguição kafkiana. Em outro livro de Orwell, "1984", um terrível personagem, o Big Brother, de algum lugar vigia todos e os pune. Seu famoso bordão - "Big Brother está observando você" - chegou a inspirar o programa televisivo. Por razões ideológicas ou midiáticas, problemas administrativos sanáveis viram escândalos. Podem ser refutados na Justiça, mas advogados saem caro.
Dar aulas cumprindo o expediente é uma obrigação que deve ser cobrada de todos os docentes. Aliás, não há nada sobre isso na cartilha. É o mínimo, mas é preciso fazer mais: envolver os estudantes, criar coisas novas, ajudar a mudar o Brasil em benefício do seu povo e a compreender o mundo contemporâneo na cultura, nas artes, na ciência e na tecnologia. A quem interessa acabar isso?
Em 1925, Einstein esteve na UFRJ: na Escola Politécnica e no Museu Nacional, fundados por Dom João VI. Fizeram parte da UFRJ Darcy Ribeiro, José Leite Lopes, Maria Yedda Linhares, Eulália Lobo e Milton Santos (atingidos pelo AI-5), César Lattes, Carlos Chagas e Clementino Fraga. A Coppe, criada por Alberto Luiz Coimbra, que este ano comemora 50 anos de pós-graduação e pesquisa de engenharia, recebeu Noam Chomsky, os ganhadores do Nobel Carlo Rubbia e Joseph Rotblat e brasileiros ilustres como Oscar Niemeyer e os presidentes Dilma e Lula. Projetos com empresas realizados por meio da Fundação Coppetec foram citados como referência pelos ministros Mercadante e Raupp em visitas recentes. Nada disso exime a UFRJ do controle externo, mas é preciso haver respeito à autonomia. Oferecer um almoço na visita de Einstein à universidade hoje poderia ser considerado um ato ilícito, segundo a cartilha.