SOMOS TODOS SANTIAGO
Nenhum
protesto existe sem causa. Esta pode ser até manipuladora, mas existe. Podemos
até ser contra esta ou aquela manifestação, mas é importante que num momento
lamentável, trágico mesmo, como este da morte do repórter cinematográfico da
Band Rio, Santiago Andrade, reflitamos sobre o rumo que nosso país está tomando,
não pelas manifestações que estão sendo realizadas, mas pela inoperância do
poder hegemônico que de esperança se transformou em decepção.
Santiago
morreu numa fatalidade porque ninguém apontou o tal rojão especificamente para
ele. Colocaram fogo e jogaram no chão. Aliás, de acordo com um colega, ele esta indo
embora, fazendo mais dois “takes” para fechar a reportagem. Santiago morreu
como ao longo da historia morreram muitos trabalhadores simplesmente porque
eram trabalhadores e estavam, honestamente, desenvolvendo sua função.
Nossa
polícia é violenta por natureza. E o é em todos os estados e cidades, porque
ainda é treinada com as técnicas e táticas dos tempos de ditadura. Dia desses,
numa briga de torcidas do Corinthians, mesmo com um torcedor caído um PM
continuou a dar “cassetetada” nele. Não seria o caso de parar, afinal, ele
estava dominado? Não, porque ódio está no sangue, no DNA de nossa polícia... No
Brasil não existe black bocks, e já escrevi sobre isso aqui neste espaço. Os
manifestantes cobrem o rosto para não serem identificados por essa polícia que
inclusive se infiltra e muitas vezes solta ela mesmo os rojões para desacreditar
este ou aquele movimento social...
Há pelo
menos cinquenta anos, somos dirigidos por uma sequencia de governos neoliberais
(mesmo levando-se em conta que durante o regime militar não existia o
neoliberalismo, criado a partir do Consenso de Washington), que privilegiam o consumo
e usam o consumo como se isso fosse uma conquista social. É o que Guy Débord
chamara de Sociedade do Espetáculo onde não importa o que você é e sim o que
você aparenta ser.
Se,
por um lado, o consumo dá ao adolescente e mesmo ao adulto uma sensação de
inclusão, o consumo só faz aumentar a diferença entre a ponta e a base da pirâmide
social. O neoliberalismo, que todos esses governos assumiram como cartilha é a
pior faceta do capitalismo exatamente por isso. E em países que tem sistemas
eleitorais ultrapassados como o nosso, a coisa é pior ainda. De uma só vez
aumenta as diferenças na pirâmide social, leva à escolha de um Congresso, Assembleias
Legislativas e Câmara de Vereadores que não representam o cidadão, também
porque os parlamentares ficam isolados em seus escritórios, fazendo tudo, menos
o que o interessa a este cidadão.
Em
momentos como esse é comum aparecerem pessoas questionando nas mídias sociais “É
assim que queremos mudar o país?” A transformação de um país é muito mais complexa
do que se pensa e do que afirmam discursos superficiais, quase sempre conservadores.
Também como já escrevi neste espaço, Gramsci, há quase cem anos afirmou que a única
forma de transformar a sociedade é por meio da elevação cultural das massas. E
a escola teria papel fundamental nisso. Não essa escola que ai está (e a de
hoje no Brasil não é muito diferente da que ele conheceu na Itália). Gramsci
falava numa escola onde poderiam estudar os filhos dos ricos e dos pobres (dos
burgueses e dos trabalhadores, como ele, nessa época socialista, afirmava) A
escola não transforma o mundo, mas transforma o homem, que tem o poder de
transformar o mundo, já dizia Paulo Freire.
Santiago
morreu como morrem todos os dias crianças e adultos pelo descaso com a Saúde...
Santiago morreu como o país está morrendo pelo desrespeito à Educação e a quem
deveria transformar o país. Santiago morreu como todos os dias morrem um pouco os
trabalhadores ao usar esse transporte coletivo obsoleto, destruído, que tira
horas diárias da vida deles porque o poder público prefere atender a
reivindicações dos empresários e joga a policia para responder às
reivindicações dos trabalhadores.
Da mesma forma que somos todos Amarildo, o
trabalhador que sumiu na Rocinha, no Rio de Janeiro e para cujo caso até hoje o
poder público não apresentou uma solução, hoje somos todos Santiago...
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