Maurelio Menezes
No terceiro artigo da série que me propus escrever para o jornal Folha do Estado de Mato Grosso sobre Movimentos Sociais, nosso papo hoje é sobre os Black Blocs. Há tempos venho, especialmente no Facebook, questionando, não a ação mas se os BBs brasileiros são mesmo Black Blocs. Nunca descartei a infiltração. E agora ela está, pela primeira vez desde muito tempo, sendo investigada. Existe a possibilidade, acredita a policia paulista que parte das ações tenham sido orquestradas de dentro dos presídios... Abaixo, o texto na íntegra, que voce pode ler ta,bém na Folha do Estado.
No terceiro artigo da série que me propus escrever para o jornal Folha do Estado de Mato Grosso sobre Movimentos Sociais, nosso papo hoje é sobre os Black Blocs. Há tempos venho, especialmente no Facebook, questionando, não a ação mas se os BBs brasileiros são mesmo Black Blocs. Nunca descartei a infiltração. E agora ela está, pela primeira vez desde muito tempo, sendo investigada. Existe a possibilidade, acredita a policia paulista que parte das ações tenham sido orquestradas de dentro dos presídios... Abaixo, o texto na íntegra, que voce pode ler ta,bém na Folha do Estado.
Black Blocs: um movimento que só é
novidade para o governo
A
onda do momento são os Black Blocs. E aqui vale uma explicação: é “blocs” em
oposição a “blocks”. O primeiro significa um agrupamento de pessoas para a
realização de uma ação. Essas pessoas não precisam necessariamente voltar a se encontrar em outra ação. Já
“Blocks” é uma agrupamento sólido de matéria inerte. Ou seja, a primeira se
movimenta e a segunda não.
Pois
bem... O Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho,
reconheceu publicamente que o governo ainda não conseguiu entender o que sejam
os Black Blocs. De acordo com ele, faltam interlocutores para dialogar com o
governo para que se possa compreender esse movimento social. Estranho, muito estranho, um ministro dizer
isso, porque demonstra total desconhecimento do que seja esse movimento, que tem
pelo menos vinte anos. E isso é inaceitável para alguém que ocupa um cargo tão
importante e que está incrustado no poder feito tatuagem há pelo menos dez anos.
Eles,
os Black Blocs, ficaram famosos quando em 1999, atacaram e destruíram fachadas
de lojas e do escritório do McDonalds, da Starbucks e de outras grandes
empresas para protestar contra uma reunião de ministros de países associados à Organização Mundial do Comércio.
Eles haviam surgido pelo menos oito anos antes, para protestar contra a Guerra
do Golfo e se inspiraram nos movimentos autonomistas alemães da década de 80,
que pretendiam, além de um confronto claro com o Estado policial, mostrar uma
forma radical de ação aos demais movimentos de protesto.
Outra
característica dos Blacks Blocs é exatamente não ter interlocutor, devido à sua
faceta anarquista. Por isso soa estranha a fala do ministro, especialmente se
levarmos em consideração que as principais ações são desenvolvidas em Estados
onde o partido do governo tem interesse especial nas eleições do ano que vem:
São Paulo e Rio Janeiro.
Nunca
é demais lembrar que, na década de 70, o regime militar tinha o costume de
infiltrar agentes no meio das passeatas pela Anistia, com o objetivo claro de
começar uma confusão. Era a deixa que a cavalaria esperava para atacar,
espancar todo mundo e acabar com as passeatas que, àquela altura, já eram
“toleradas”. Será que os BBs brasileiros são mesmo Black Blocs ou agentes
infiltrados para dar inicio às agressões e assim abrir espaço para a grande
mídia, redes de TV especialmente, bater na tecla da violência da policia nesses
estados (como se ela não fosse violenta nos demais), e na tecla de “vândalos” e “vandalismos”?
Os
BBs são anticapitalistas, daí o fato de
concentrarem seus ataques em bancos e outros símbolos do capitalismo. Há
pesquisadores, entretanto, que os classificam como antissistema. Eles não
concordam com o sistema como ele está funcionando hoje. E aí temos uma
semelhança com os protestos de maio/junho no Brasil, protestos que, aliás, o
governo também disse não entender.
Boa
parte das palavras de ordem era contra o capitalismo, mas a maioria era contra
o sistema, contra a forma que ele age hoje, mais desumano que nunca. O que se
pediu nas ruas foi saúde, transporte, educação de qualidade, e combate à
corrupção. E aí pode-se afirmar, sem medo de errar, que mais uma vez perdeu-se
a grande chance de fazer uma transformação radical na vida do cidadão. O Legislativo
e o Executivo tinham o pedido da “voz rouca das ruas”, mas preferiu não
ouvi-la. O Ministro Gilberto Carvalho disse na época que havia interlocutores e
que as reuniões com eles resolveram os problemas. Pura propaganda. Nas reuniões
com o governo participaram apenas os grupos ligados ao próprio governo.
Já
escrevi aqui que criou-se uma imagem, falsa sob todos os aspectos, que o
brasileiro é um povo dócil, que beira a indolência, a anomia. A grande mídia
tenta de todas as formas mostrar que o cidadão comum não aprova a tática dos
Black Blocs. O Data Folha até pesquisa realizou (na verdade, uma sondagem) para
mostrar isso. Parece que se esqueceram que não é de hoje que moradores da
periferia das grandes cidades reagem com violência à violência do estado,
fazendo barricadas, queimando pneus e fechando estradas. E ninguém falava em
vândalos nem em vandalismo.
A grande
verdade é que a reação dessas pessoas, desde sempre, é a reação de quem vive na
pele a desigualdade que no Brasil, a cada dia ganha contornos mais trágicos. E
que os sucessivos governos, inclusive o atual, nada fizeram para mudar esse
quadro. A tal transformação da sociedade se torna a cada dia mais urgente.
A
questão, me parece, é: a quem interessa que tudo continue como está com o
abismo entre os que ganham mais e os que ganham menos aumentando cada vez mais?
A quem interessa que os subalternos sejam cada vez mais subalternos?