quinta-feira, 7 de outubro de 2010

CORRENTES DE E-MAIL 1 - DOIS SAPOS

Maurelio Menezes

Todos os dias recebo por e-mail dezenas de textos, correntes, indicações, mensagens, muito lixo e muita coisa boa. Coisa boa? Mas o que é coisa boa? Somente aquilo que meu Olhar enxerga como tal? Certamente que não. Por isso a partir de hoje vou, de quando em vez, postar aqui um desses textos. A estréia é com Dois Sapos, assinado por Huberto Rohden, filosofo brasileiro que escreveu uma centena de trabalhos, que após sua morte, há quase 20 anos, foram condensados em 65 livros publicados por algumas das principais editoras nacionais, como a Vozes e a Globo, sobre temas cuja discussão somente no final do século começaram a ganhar corpo no Brasil, como ética, cidadania e consciência cósmica. O texto cai como uma luva no momento em que vivemos quando tal qual um dos batráquios da história, levadas por paixões extremadas pessoas se põem a falar do que não sabem, do que não viveram e na falta de argumentos partem para a agressão verbal, gratuita, desfilando às vezes um rosário de asneiras ou um discurso bonito que se afasta muito da prática de vida deles.

Divirtam-se

DOIS SAPOS


Humberto Rohden (1893 - 1981)



Vivia um sapo - no fundo do poço.

Lá nascera, lá vivera, de lá nunca saíra - e lá esperava morrer.

O seu horizonte era de um metro e meio de largura - o diâmetro do poço.

A profundidade de sua vida era de três palmos - como as águas do poço.

Para além da borda do poço - nada mais existia para ele...

Certo dia, tombou no fundo do poço - um sapo de outras regiões..

Vinha de longe, de muito longe - das praias do mar...

Com secreto rancor, viu o primeiro invadido pelo segundo o seu espaço vital.

Mas, como o segundo era mais forte, resolveu o primeiro não o guerrear - e limitar-se à defesa passiva.

Depois de três dias de silêncio recíproco, travou-se entre os dois batráquios o diálogo seguinte:

- Donde vens tu, estranho invasor?

- Das praias do mar, ignoto ermitão.

- Que coisa é o mar?

- O mar?... O mar é uma grande planície d’água.

- Tão grande como esta pedra em que pousam minhas pernas gentis?

- Muito maior.

- Tão grande como esta água que reflete o meu corpo esbelto?

- Maior, muitíssimo maior.

- Tão grande como este poço, minha casa?

- Mil vezes maior. Milhares de poços destes caberiam no mar que eu vi. O mar é tão grande que sempre começa lá onde acaba.

- É tão grande que todo o céu cabe nele, e ainda sobra mar. Todos os sapos do mundo, pulando a vida inteira, não chegariam ao outro lado - tão grande é o mar à cuja margem nasci e vivi.

- Safa-te daqui, mentiroso! - exclamou o batráquio do poço. - Coisa maior que este poço não pode haver! Mais água que esta água é mentira!


Desde então viviam os dois em pé de guerra, no fundo do poço.

Não diz a história se algum deles, super - sapo, venceu nessa luta feroz...

Nem diz se um deles, batráquio genial, convenceu o outro da verdade das suas idéias...

Consta apenas que, desde esse tempo, viveram no mundo seres que só crêem em si mesmos...

Seres que sabem tudo o que os outros ignoram...

Seres que tacham de loucos os que afirmam o que eles não compreendem...

Seres de tão vasto saber que consideram desdouro aprender...

Não fales, meu amigo, em mares - a quem mares não viu!

Deixa viver no poço - quem no poço nasceu!

Horizonte de metro é meio, água de três palmos de fundo, pedra de meio palmo - que mais querer o batráquio dum poço?

Deixa ao ignorante a sua feliz ignorância!

Não fales em mares a quem para um poço nasceu!

Cada qual com seu igual...

Um comentário:

  1. Maurelio.
    Assim com o você, concordo que êsse texto é coisa boa !
    Parece-me que mesmo com a crescente difusão de informações e cultura, aumenta cada vez mais a legião de "sapos em seus poços".
    Ética, cidadania e consciência cosmica implica mudança pessoal de foro intimo.
    Dificilmente que está no seu "pocinho de sabedoria" iniciará um processo de adoção de valores elevados e altruistas.
    Como diz o ditado: "sabão na cabeça de burro velho, não espuma"
    Resta-nos - sociedade e govêrno - investir na educação basica, crianças de 0 a 6 anos.
    Assim em uma geração teremos uma sociedade da qual poderemos nos orgulhar !
    Grande abraço.
    Paulo

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