quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O PAPO HOJE NA FOLHA DO ESTADO É SOBRE O PAPA E O MARXISMO

Maurelio Menezes

Desde que assumiu o pontificado o Papa Francisco vem externando posições claras em defesa da mudança do sistema econômico de forma a torná-lo mais desigual. Faz isso não apenas nas palavras mas nun documento que recemente lançou como lpider maior da Igreja Católica. Isso levou alguns conservadores americanos a taxá-lo de "marxista", como se isso fosse uma ofensa ou o diminuisse. A resposta veio  calmamanente numa entrevista a um dos principais jornalis italianos, tema do assunto do artigo publicado nesta quinta-feira, dia 19, na Folha do Estado de Mato Grosso. Voce tem acesso a ele na versão impressa do jornal, ou aqui no meu blog.


O Papa Francisco e o Marxismo



O Papa Francisco respondeu no domingo numa entrevista exclusiva ao jornal La Stampa, de forma educada, aos conservadores americanos que o “acusaram” de ser marxista. De acordo com ele, literalmente, “A teoria marxista está equivocada, mas ao longo da vida conheci muitos marxistas que eram boas pessoas, logo não me sinto ofendido em ser chamado de marxista”.

As “acusações” surgiram quando Sua Santidade em seus pronunciamentos começou a criticar não o capitalismo, mas a forma como ele está funcionando hoje no mundo, a fome que ele faz aumentar, as desigualdades que ele provoca, a distancia entre os que têm muito e os que nada têm que só faz aumentar. Quando esteve no Brasil, o Papa foi claro: “os políticos deveriam ouvir as vozes das ruas”.

Posteriormente, numa analise da economia mundial, Francisco chamou atenção para o fato de o capitalismo estar se transformando numa nova tirania, no que também foi criticado. Ao La Stampa, o Papa disse que estava apenas apresentando um olhar sobre o que está acontecendo no mundo com a solidificação de uma economia de exclusão e desigualdade.

A posição do Papa lembra uma afirmação na década de setenta do Cardeal brasileiro Dom Helder Câmara. Quando foi questionado sobre suas posições políticas disse algo como “Quando dou comida e moradia (foi ele quem construiu, no Leblon, a Cruzada, para os desabrigados da Favela do Pinto, que fora incendiada) para os pobres dizem que eu sou um santo padre. Mas quando pergunto por que essas pessoas são pobres me taxam de comunista”.

Durante os protestos no Brasil, diversos analistas afirmaram que as manifestações não eram especificamente contra o capitalismo, embora em alguns cartazes e palavras de ordem estivessem estampados os protestos contra ele. As manifestações sempre foram contra o funcionamento do sistema, que privilegia uns em detrimento de outros.

Antes das manifestações, numa Seminário Temático, aqui em Cuiabá, o italiano Geovanni Semeraro, professor da Universidade Federal Fluminense, afirmou que em nenhum dos países que ele conhecia (e ele conhece muitos) o capitalismo foi tão perverso quanto no Brasil.

Referindo-se às manifestações brasileiras, em entrevista a O Globo, o francês Pierre Levy afirmou que surgiu uma nova consciência entre os brasileiros e que os resultados não seriam imediatos. E porque alertas como os do Papa não podem despertar esse tipo de consciência também?

Há algumas suspeitas em relação às ações do Papa. A verdade é que na Europa, ao mesmo tempo em que o capital ganhou força, Deus foi aos poucos morrendo. Hoje, as igrejas são muito mais templos de visitação e admiração por turistas, que lugares para reflexão. Já na América Latina, o catolicismo perdeu espaço na mesma proporção que cresceu a pobreza. Desta forma, O Papa estaria atirando no que realmente existe, mas para recuperar o terreno perdido para a teologia da prosperidade.

O que parece fora de qualquer principio de bom senso é que cento e vinte anos após a morte de Marx ainda haja quem pense que o mundo se divide em marxistas e não marxistas. A questão é bem outra: é a falta de interesse dos políticos em investir. O governo federal comemora recorde de arrecadação, quando deveria comemorar recorde de investimento em setores essenciais. Mas o que se vê é o contrário: por ser impedido pela justiça de aumentar o IPTU em São Paulo o prefeito Fernando Haddad decidiu cortar investimento na Educação, logo ele que foi Ministro da Educação. E no Orçamento Federal, o governo cortou 3 bilhões do PAC, um programa criado para diminuir a falta de saneamento básico no pais. O problema não é ser ou não marxista. Ser ou não capitalista. O problema é querer que a miséria permaneça. Por muito tempo. Infelizmente. Esse é o monstro que os Movimentos Sociais têm obrigação de combater.

 

 

 

 

 

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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

UM OLHAR SOBRE AS REVOLUÇÕES DE MANDELA

Maurelio Menezes

Já está na Folha Digital (http://www.folhadoestado.com.br/manutencao/) o artigo desta quinta no qual falo um paralelo entre as estratégias revolucionarias apresentadas por Antônio Gramsci, a Guerra de Posição e a Guerra de Movimento, e a atuação de Nelsona Mandela na luta que levou ao fim do absurdo regime do Apartheid na África do Sul...Voce pode analisa-lo na edição impressa desta quinta na Folha do Estado - MT ou aqui no Blog.


MANDELA, O HOMEM DAS DUAS GUERRAS GRAMSCIANAS...

 
Antonio Gramsci definiu dois tipos diferentes de estratégias revolucionárias para se chegar ao poder: a guerra de movimento e a guerra de posição. Traduzindo de uma forma bem simples, a primeira é aquela em que o enfrentamento é necessário. E a segunda é aquela em que vai se conquistando espaço, posições para futuramente se conseguir mudar o poder hegemônico. Para Gramsci a guerra de movimento era algo próprio de países do Oriente. Já no Ocidente a única possível seria a de posição, ou seja, a conquista de espaços. Para o pensador italiano, quem faz a revolução tem que analisar muito bem qual estratégia adotar, pois se não o fizer, certamente estará fadado a perder.

Na semana passada foi realizada na UFMT o Seminário Temático “Os Movimentos Sociais em Diálogo com a Educação”. Na participação da representante do MST em uma das mesas de debate, ficou claro que os Sem Terra, no Brasil, usam as duas estratégias. Quando partem para o confronto com invasões, ou “trancam” rodovias país afora estão numa guerra de movimento, muitas vezes condenada, como previra Gramsci. Ela foi questionada se não era um contra senso, ao mesmo tempo que agiam desta forma e tinham um modelo próprio de educação, no qual o militante se torna sujeito social na luta, eles disputam vagas nas universidades tradicionais. Lucinéia Freitas disse que não havia contra senso porque, ao mesmo tempo em que o MST  julga necessário o confronto para atingir seus objetivos, sabe que é necessário se conquistar espaços para, aos poucos, fazer sua defesa e até divulgar suas ações. De acordo com ela, o que a mídia mostra em relação ao MST é sempre o que eles classificam de negativo, como as invasões e as interrupções das estradas. Mas nunca mostram o sistema de educação, as “cirandas” e outras ações que também compreendem a luta do movimento.

Analisando a vida e a luta de Mandela, pode-se concluir que também ele aplicou os dois tipos de guerra identificados por Antônio Gramsci. Em 1952, quando Mandela já era personagem central na historia da luta contra o Apartheid, criado oficialmente três anos antes, ele deu Início a uma guerra de movimento sem precedentes na história do país. Criou a “Campanha do Desafio” com um dia de protesto em que os negros foram convocados a usarem os espaços reservados exclusivamente aos brancos. No ano seguinte, em Sophiatown, fez um discurso forte em que afirmou que “os tempos da resistência passiva haviam passado”.

Menos de dez anos depois, já haviam criado o MK, braço armado do Congresso Nacional Africano -CNA-. Foi a fase mais violenta da luta contra o regime do Apartheid. No livro “Nelson Mandela, conversas que tive comigo”, lançado há três anos no Brasil pela Editora Rocco, ele afirma que “Nós adotamos a atitude de não violência só até o ponto em que as condições o permitiram. Quando as condições foram contrárias, abandonamos imediatamente a não violência e usamos os métodos ditados pelas condições.”

Depois de 27 anos de prisão, periodo durante o qual se recusou diversas vezes a negociar com os segregacionistas, Mandela tentava convencer o Presidente Botha a anunciar o fim do Apartheid e afirmava que ele é quem deveria renunciar a violência. Quando Bhota foi atingido por uma doença séria, Frederick de Clerk assumiu o poder e Mandela viu nele as condições para uma negociação como haviam tentado décadas antes. Aí ele retomou a  guerra de posição que acabaria com Apartheid e que devolveria a África do Sul aos sulafricanos de uma vez por todas.

No domingo o corpo dele será enterrado. Mas o que a mídia tem dito nos ultimos dias a seu respeito é apenas parte da história. Há mais, muito mais, inclusive de negativo, mas um negativo que não chega a manchar o que ele foi: a mais completa tradução da luta pela liberdade do poder opressor.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

MANIFESTAÇÕES ATINGEM UCRANIA E TAILANDIA... ESTE É NOSSO PAPO HOJE NA FOLHA DO ESTADO

Maurelio Menezes
Ucrania e Tailandia estão no centro de meu artigo publicado hoje na Folha do Estado -MT. Por motivos diferentes, milhares de manifestantes tem saido às ruas lutando por aquilo em que acreditam.  É mais uma demonstração que a Primavera Árabe foi apenas o estopim, nçao apenas para o Norte da África e Oriente Médio, mas para todo o mundo.  Vove pode ler o artigo na página 4 da  Folha , http://www.folhadoestado.com.br/manutencao/  ou abaixo:



TAILANDIA E UCRANIA, AS BOLAS DA VEZ...
Por motivos diferentes, ucranianos e tailandeses foram às ruas nas ultimas semanas e enfrentaram a violência policial. Evidentemente que há interesses políticos por trás dos protestos em um e em outro país. Mas em ambos os casos o que interessa é a decisão da população de contestar medidas contrarias a seu interesse, algo como mudar as regras com o jogo em andamento.

No caso da Ucrânia, o motivo da revolta foi a desistência do Presidente Viktor Yanukovich em assinar um acordo que permitiria ao país entrar na União Europeia. A assinatura seria no ultimo dia 21, mas na véspera Yanukovich anunciou o recuo, provocado pela pressão do presidente russo Vladimir Putin. O Primeiro Ministro ucraniano, Mykola Azarov, reconheceu que houve a pressão e embora tenha afirmado que não houve condição alguma imposta, fala-se que Moscou ameaçou cortar o fornecimento de gás russo à Ucrânia e a proibição de entrada de produtos ucranianos em território russo.

À frente das manifestações estão, mais uma vez, jovens que se comunicam e se convocam pela internet. Os partidos de oposição assumiram a luta iniciadas por estudantes como Alexandra Prissiajniouk, de 19 anos,  que numa das manifestações afirmou que na eleição a postura do presidente era outra e que a população estava ali para dizer que se sentiam europeus.

No domingo os ânimos se acirraram, houve confrontos e os manifestantes tomaram o prédio da prefeitura de Kiev, onde montaram o que chamam Quartel da Resistência. Para o Presidente russo, o que está havendo é que querem derrubar um governo legitimamente eleito. Mas a cada dia parece ficar mais claro que ser legitimamente eleito não basta para a população. Lá, como cá, queremos mais. Muito mais que isso. Ou como diz a canção: “A gente não quer só comida/ a gente quer comida / diversão e arte/ A gente não quer só comida a gente quer saída / pra qualquer parte /A gente não quer só comida a gente quer bebida / diversão, balé / A gente não quer só comida / a gente quer a vida como a vida quer”

Na Tailândia, o foco é a corrupção. Os manifestantes, entre eles muitos ligados a partidos de oposição, acusam a Primeira Ministra Yingluck Shinawatra, eleita há dois anos, de usar a maioria parlamentar que possui para criar leis que levem à anistia do irmão dela, Thaksin Shinawatra, também legitimamente eleito, mas acusado de corrupção, derrubado por um golpe há sete anos e exilado do país. Para os lideres da oposição Thaksin continua a governar o país, inclusive distribuindo dinheiro a parlamentares para que eles aprovem as medidas de seu interesse.

Analisando politicamente, há uma diferença muito grande entre os dois casos, especialmente porque a Tailândia é um país onde golpes de estado são quase corriqueiros: nos últimos 80 anos houve 18 deles, ou seja uma média de um a cada seis anos. Já na Ucrânia, apesar de negociações estarem em andamento há seis anos, o presidente afirma que as regras são muito duras e iriam prejudicar as camadas mais pobres da população. O que pode parecer estranho é que só agora com a pressão de Putin, ele tenha percebido isso.

O que parece estar claro é que a Primavera Árabe, o primeiro movimento social no qual a internet teve participação fundamental,  mais que mudanças no Oriente Médio e Norte da África, serviu como um estopim para uma situação que analistas identificam em todos os lugares: as mudanças são necessárias e precisam ser realizadas urgentemente. Ninguém está feliz com o que recebe e muito menos com o que vê acontecer no centro do poder.

E ao pensar em mudanças, me veio à cabeça um post de minha amiga dos tempos de TV Bandeirantes, Luciana Savaget, dia desses no Facebook, citando Fernando Teixeira de Andrade: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

 

domingo, 1 de dezembro de 2013

PAGANDO UMA DÍVIDA: MEU ARTIGO NA FOLHA DO ESTADO DE QUINTA FEIRA PASSADA

Maurelio Menezes

Como viajei meio às pessas no final de semana, acabei não publicando aqui no Blog meu artigo veiculado na Folha do Estado de Mato Grosso. Desta vez o paapo foi sobre o olhar do pensador espanhol Manuel Castelles sobre os movimentos de rua no Brasil... Agora pago esta dívida:



O OLHAR DE MANUEL CASTELLS SOBRE O BRASIL DAS RUAS

 

Em maio, quando as manifestações de ruas começaram a ganhar corpo no Brasil, Manuel Castells, considerado o principal pensador da atualidade  sobre a sociedade em rede e os movimentos sociais que dela nascem, veio ao Brasil para preparar o lançamento de seu novo livro Network of Outrage and Hope, que traduzido no Brasil seria lançado na Bienal do Livro no Rio, no final de agosto, inicio de setembro pela Zahar Editores, com o  titulo  Redes de Indignação e Esperança – Os Movimentos Sociais na Era da Internet. No livro ele fazia uma análise de movimentos sociais recentes, como a Primavera Árabe, a revolta dos Indignados na Espanha e o Occupy nos Estados Unidos.

Nos vinte dias que passou aqui entre debates e entrevistas, as manifestações cresceram tanto que ele e os editores brasileiros decidiram acrescentar um Posfácio com analise dos protestos no Brasil e antecipar o lançamento do livro para julho, para que ele chegasse às livrarias ainda no calor do grito nas ruas.

Neste Posfácio Castells começa escrevendo “Aconteceu também no Brasil e sem que ninguém esperasse”, E termina afirmando que “Pois o que é irreversível no Brasil como no mundo é o empoderamento dos cidadãos, sua autonomia comunicativa e a consciência dos jovens que tudo o que sabemos do futuro é que eles o farão. Mobilizados.”

Castells bate na tecla de que a alegria de o Brasil sediar mais uma vez uma Copa do Mundo transformou-se “num negócio mafioso de corrupção em grande escala da qual participam empresas de construção, federações nacionais e internacionais e administrações publicas de diversos níveis [...]”.

Para o sociólogo espanhol, que é professor em duas universidades americanas, o grito que ganhou as ruas saiu das entranhas de um país onde há anos adotou-se um modelo de vida que ignora as dimensões humanas e ecológicas do desenvolvimento. Esse modelo, de acordo com ele, que é “centrado no crescimento a qualquer custo”, não assume a nova cultura de dignidade e de vida que não seja baseada no consumo desenfreado.

Ele não passa ao largo da educação, também, e repete uma das lutas dos professores de instituições publicas de ensino superior ao realizarem a maior greve da historia, que parou as universidades por 127 dias: esse modelo não entende que a “escolarização sem uma verdadeira melhoria do ensino não é educação, mas armazenamento de crianças [...]”.

Para Castells, as manifestações que começaram na Tunísia e se estenderam por diversos países, derrubando governos ou fazendo com que eles se mexessem, é um mundo que a “gerontocracia dominante não entende, não conhece e que não lhe interessa [..]” mas que a apavora quando vê seus filhos se comunicando via internet, tomando posições e deixando claro que o poder está saindo do controle deles e migrando para  a juventude.

Quando escreveu o Posfácio, em julho passado, Castells identificou como o mais significativo nas manifestações brasileiras as reações das instituições políticas (e consequentemente daqueles que as defendem ou vivem delas), que classificaram os protestos como demagógicos, golpistas e irresponsáveis. Verdade, mas essas classificações não foram apenas dos empoderados do momento. A oposição torcia quieta para que tudo acabasse logo, porque também ela defende esse modelo, um modelo que não coloca o ser humano como centro das ações a não ser quando se torna necessário usá-los para se atingir algum objetivo político eleitoreiro.  

Castells quando escreveu o Posfácio deixou claro ser uma questão em aberto se as manifestações levariam a uma interação real entre a política das ruas e a política das instituições.

A impressão que se tem hoje, quase cinco meses depois, é que os políticos continuam a agir como se não precisassem prestar contas a ninguém, como alguém que “vê os votos como se fossem seus, seus cargos públicos como direito próprio e suas decisões como indiscutíveis. [...} A democracia foi reduzida a um mercado de votos em eleições realizadas de tempos em tempos, mercado dominado pelo dinheiro, pelo clientelismo e pela manipulação midiática”

 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O PAPO HOJE NA FOLHA DO ESTADO É SOBRE O MENSALÃO

Maurelio Menezes

O artigo assinado por mim e publicado hoje na Folha do Estado de Mato Grosso,  tem como centro o julgamento do mensalão, as reações apaixaonadas de ambos os lados e sua relação com os Movimentos Sociais, visto por alguns analistas internacionais...



E POR FALAR EM MENSALÃO...


Não existe nada mais velho no Brasil que esse termo, “mensalão” que, salvo raríssimas exceções, é distribuído nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, na Câmara Federal e no Senado. Mas é engraçado que o corretor do Word não o reconhece, como se ele não existisse nem no vocabulário nem na prática.  

Durante os protestos de maio e junho no Brasil, havia muitos gritos nas ruas. Analistas internacionais foram unanimes à época: os protestos não eram contra este ou aquele partido, contra este ou aquele governo. Não eram nem mesmo contra o capitalismo, embora em muitos cartazes se liam palavras de ordem contra ele. Os protestos eram contra o sistema, como ele está funcionando. E estava (e continua) funcionando mal, muito mal.

No Brasil as análises vieram acompanhadas das paixões políticas partidárias que sempre atrapalham a lucidez do pensar. E agora não está sendo diferente. Quando Lula nomeou Joaquim Barbosa como Ministro do Supremo Tribunal Federal quis, de acordo com alguns analistas, fazer marketing: seria o primeiro Presidente da República a nomear um Ministro negro para a mais alta corte jurídica do país. Agora as mesmas pessoas que enalteceram o fato e afirmaram coisa do tipo “só mesmo um Presidente que veio do povo faria isso” estão tentando crucificar o Ministro que, de eleitor de Lula, acabou se transformando em seu algoz. E nas mídias sociais não raro as agressões a ele são racistas, extremamente violentas e de mau gosto.

Nas manifestações brasileiras um dos gritos das ruas era exatamente a prisão dos mensaleiros. Elas estão sendo realizadas agora, mas falta muita gente, como falta, também, a investigação do mensalão mineiro. Com o inicio do cumprimento das penas dos condenados por acusações pelas quais não têm mais direito a recurso, a voz das ruas finalmente está sendo ouvida? Há quem diga que não. Essa seria apenas mais uma forma de o governo ter a seu favor a implacabilidade no julgamento de quem foge às regras da ética, mesmo que tenha que se cortar na própria carne, para usar uma frase do senso comum.

Outros gritos ouvidos nas ruas estão sendo ouvidos, embora tardiamente. As votações secretas no Congresso vão acabar, mas apenas parcialmente. Há muita coisa a mudar. Paulo Gerbaudo, professor de sociologia do King`s College de Londres, se referindo as manifestações no Brasil, comentou que o protesto que começou com a questão da tarifa de ônibus, acabou se transformando num grande movimento contra a truculência policial, a ineficácia do estado, o autoritarismo, a falta de liberdades e, principalmente, a corrupção. Para ele, esses movimentos promovem uma mudança que é cultural. O próximo passo será saber se as organizações sociais e políticas terão condições de construir um trabalho que eleve às mudanças pedidas nas ruas: mudanças políticas, sociais e econômicas. Mas mudanças de fato.

Para o espanhol Manuel Castells, os movimentos de maio e junho deixaram claro que a maioria dos cidadãos não se sente representado pelas instituições tal como elas estão organizadas hoje. Por isso ele conclui que na era da informação os sujeitos realmente capazes de produzir a transformação da sociedade são os movimentos sociais.

Hoje muita gente brinca nas mídias sociais afirmando que o gigante acordou deu uma espreguiçada e voltou a dormir. Mas para que a tese de Castells se concretizasse seria necessário que os manifestantes rompessem com os códigos do poder dominante e criassem redes alternativas que tivessem por base uma identidade coletiva de resistência. Mas será que estamos preparados para isso? Ou nossas paixões partidárias continuarão a falar mais alto como parece estar acontecendo agora com a prisão dos mensaleiros?

P.S. Dia desses conversando com uma espécie de consultora para quem sempre leio meu texto antes de enviá-lo para a redação, ela comentou que eu estava entrando muito na política e fugindo um pouco da educação. Ai me lembrei mais uma vez de Gramsci, para quem educação e política se misturavam como se fossem uma única coisa, ou seja, para ele, para a política é educativa e a educação é politizante, no sentido mais amplo que se possa conceber política.

 

 

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O PAPO HOJE NA FOLHA DO ESTADO É UMA REFLEXAO SOBRE O BRASIL DE HOJE DE ACORDO COM LEONARDO BOFF

Maurelio Menezes


Na semana passada durante um encontro com ativostas de movoimentos sociais Leonardo Boff  se abriu de forma muito interessante. Mostrou que não gosta de reduzir o debate à politica, pois é preciso muito mais que isso para a transformação da sociedade... Foi um papo muito interessante e depois ele se colocou à disposição para responder a perguntas. Não foi poupado e ai mostrou mais uma vez porque é uma das grandes cabeças desse país, e que vale a pena se lido e ouvido.  Algumas das  reflexões dele estão abaixo e na Folha do Estado desta sexta feira.... Confira aqui ou lá.


REFLEXÕES DE LEONARDO BOFF SOBRE O BRASIL DE HOJE

Na semana passada Frei Leonardo Boff esteve dois dias em Cuiabá. No primeiro, fez uma palestra a convite de uma empresa e no segundo fez o que mais lhe interessava: se reuniu com ativistas dos mais diversos Movimentos Sociais. Falou durante cerca de 40 minutos e depois abriu para perguntas em que respondeu a questionamentos sobre política, economia, copa do mundo e educação.
Sobre política fez criticas a seu amigo, Lula, “de quem privo, além, da amizade, os bastidores de sua vida” , que era a esperança de mudança dos rumos da nação, mas antes mesmo de ser eleito com a “malfadada Carta aos Brasileiros” rendeu-se ao neo liberalismo e acabou fazendo o que seus antecessores fizeram: acordo com o que há de pior na política brasileira. Citou especificamente a visita de Lula e Haddad à mansão de Maluf com quem fez um toma lá dá cá, "para ganhar um minuto e meioa a mais na televisão". De acordo com ele, Lula disse “Nem me fale foi a maior cag.... da minha vida”. Disse também que se Marina sair candidata e se conseguir se eleger vai matar a causa ecológica... Sobre a Copa disse que não há mais o que se fazer, pois ela está ai. O que é preciso é se fiscalizar e exigir que ela deixe de fato um legado para a sociedade. Para Leonardo Boff, os governos Lula e Dilma são governos de transição para  chegarmos ao governo do bem estar social que todos (ou pelo menos a maioria) almejamos.
Fez uma critica também a Chavez sobre quem disse que o único mérito que ele teve foi o de enfrentar o Império que compra da Venezuela 25 por cento do petróleo que importa, o que significa que também à Venezuela não interessa um rompimento total pelos milhões de dólares que deixaria de receber.
Num determinado ponto da fala dele, citou Paulo Freire, para quem “a escola não tem capacidade de mudar o mundo, mas tem condições de mudar o homem, que transformará o mundo”. Paulo Freire talvez tenha sido o grande pedagogo da história do Brasil, mas sua Pedagogia Critica nunca foi usada como deveria nas escolas, tanto que ao morrer, em 1997, havia mais livros dele publicados no exterior que no Brasil. O pensamento de Freire sobre educação, foi construído particularmente a partir do pensamento de Gramsci, que também dava à escola um papel fundamental na transformação da sociedade, via transformação do homem.
Aproveitei o assunto abordado aqui na semana passada e perguntei a Leonardo Boff como transformar o homem se o governo, comprometido com o neo liberalismo, determina a política didático pedagógica e, portanto, nossa escola é planejada para manter as coisas como estão, ou seja, sem proporcionar a ninguém  a possibilidade de transformação de nada. Para ele, nossas universidades, a começar pelas Pontifícias Universidades Católicas, são chocadeiras do sistema. Nossos jovens saem da universidade prontos para atender ao mercado. É assim há 500 anos, embora a primeira universidade brasileira, USP, só tenha sido criada na década de 30 do século passado.
Leonard Boff acredita que essas mudanças são difíceis e precisam de tempo. De acordo com ele, se se fez menos do que se esperava, não há como negar que se fez o que era possível. Ele lembrou que o governo que está hoje no poder nasceu de um movimento social que depois se articulou como movimento político e conquistou a vitória. Assim, a articulação dos movimentos sociais é fundamental para criar no cidadão o espírito critico que ele precisa ter para a transformação duradoura que queremos. As manifestações de  maio e junho deixaram claro que a população está cansada de uma política de negociatas, de toma lá dá cá. O que a sociedade quer, hoje, são serviços que funcionem, é uma educação que tenha a qualidade mínima, o que não existe hoje, é uma saúde para todos.
Pode-se não concordar com muito do que ele disse nesse encontro com ativistas dos movimentos sociais. Mas não há como negar. Aí estão pontos que obrigatoriamente têm que ser levados em consideração como reflexão sobre os caminhos que precisamos trilhar para fazermos de nossa sociedade pelo menos uma sociedade menos injusta.
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

NOSSO PAPO HOJE NA FOLHA DO ESTADO - MT É SOBRE EDUCAÇÃO E ESTADO

Maurelio Menezes


No artigo de hoje na Folha do Estado de MT, trato de um tema que vem sendo debatido ha décadas: o Estado e a Educação transformadora... Defendo a tese que ao Estado não interessa a formação de um cidadão crítico, não porque assim fica mais fácil manipulá-lo, mas porque ao governo nao interessa mudar o poder hegemonico. Assim, o planejamento escolar é feito para provocar mudanças que nçao mudam nada. Se você nçao o ler na Folha do Estado, pode fazê-lo aqui.


O PODER HEGEMÔNICO, UM ENTRAVE PARA UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA

Todo mundo já ouviu, mais de uma vez, inclusive, que a escola tem o poder de transformar a realidade. Já ouviu, também, que ao governo, seja qual for ele, não interessa educar, pois é melhor manter a população como ela está, acrítica, porque assim fica mais fácil manipular o cidadão/eleitor. Esse é um debate bem mais antigo do que parece.

Moisey Pistrak foi um educador socialista que viveu na Rússia, posteriormente União Soviética, nação que nasceu após a revolução de 1917. Ele também defendeu essa ideia em seu principal livro, “Fundamentos da Escola do Trabalho”, lançado em 1924. Para ele o trabalho era o principal ponto de reflexão que vincularia a escola à comunidade. Aí estaria, portanto, o caminho para uma transformação social de fato, já que com essa vinculação seria possível ligar a vida do estudante ao processo de transformação social, o que levaria à construção de uma nova sociedade. Pistrak dirigiu o que seria o modelo da escola socialista, a Lepechinsky, que pretendia levar para o processo didático pedagógico os ideais, concepções e valores do processo revolucionário inicial da União Soviética.

Aí entramos num debate que parece não ter fim: o Estado e a Educação. Quando Pistrak produziu essa experiência, estava representando o Estado. Na ação dele não havia muita diferença com as ações desenvolvidas no Brasil e em outras partes do mundo. Afinal, a produção do conhecimento que possibilita a autodeterminação do povo sempre esteve restrita ao que se convencionou chamar de “elite dominante”.

Apesar do discurso presente em todos os governos, o Estado não age de forma neutra e sequer representa a vontade da sociedade. Ele é o planejador do sistema de ensino e, como tal, planeja para atender aos interesses do grupo que detém o poder hegemônico, ou seja, da mesma forma que age quando cria leis. Aliás, provavelmente daí tenha surgido a brincadeira segundo a qual a justiça é cega, mas é mais cega para uns que para outros.
 
Na época de Pistrak, e de Gramsci que foi seu contemporâneo, os Movimentos Sociais consistiam basicamente nos movimentos operários e partidários e que hoje como afirmou Ilse Scherer-Warren numa palestra aqui em Cuiabá em 2002 são estruturados como “uma rede que conecta sujeitos e organizações de movimentos,  contemplando diversidades culturais e identidades diversas, buscando o reconhecimento social na esfera pública”. Em outras palavras cabe a esses novos movimentos sociais buscarem a transformação que a sociedade exige e que é, sem sombra de dúvidas, a única forma de se criar algo novo em relação a essa mesmice que vimos tendo nos últimos doze governos. Provavelmente o último que tenha tentado fazer alguma coisa no sentido de dar uma formação diferenciada ao estudante tenha sido o de João Goulart, com a experiência da escola em tempo integral criada por Anizio Teixeira e que depois foi adaptada por Leonel Brizola no Rio, mas que acabou perdendo a razão de ser porque tinha mais o objetivo de propaganda política que de real interesse em estabelecer um tipo de educação transformadora. Todos os demais fizeram progressos, uns mais outros menos, mas não tocaram no essencial: a mudança do planejamento escolar que continua a ser estruturado de forma a promover mudanças que não mudam nada. Pelo contrário, mantém o poder hegemônico como ele foi construído há séculos.

As manifestações de maio e junho, que chamo de “Outono/Inverno Brasileiro” numa analogia com a Primavera Árabe, não deve e não pode se resumir ao que foi. Na terça feira, as manifestações voltaram. Convocadas pelo grupo Anonymous, houve protestos em três capitais brasileiras e em diversas partes do mundo como Europa, África, Ásia e Oriente Médio. A rede, que usa as mídias sociais para se comunicar, estabeleceu o cinco de novembro como sendo o Dia Mundial da Resistência e Rebelião Popular.

Coincidentemente, pelo que se tem notícia, o único país onde aconteceram manifestações em que houve confronto com a policia foi o Brasil, mais precisamente em São Paulo (aqui houve manifestações também em Porto Alegre e no Rio). Há poucos dias, numa reunião com o Ministro da Justiça, ficou combinado que as PMs de todos os Estados adotariam o mesmo modus operandi em caso de protestos. Pelo que parece, o combinado não durou uma semana. E ai fica mais uma vez a pergunta: a quem interessa a criminalização dos movimentos sociais? Ou ainda: quem tem medo dos Movimentos Sociais?

 

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

NA FOLHA DO ESTADO, HOJE, NOSSO PAPO É SOBRE BLACK BLOCS


Maurelio Menezes



No terceiro artigo da série que me propus escrever para o jornal Folha do Estado de Mato Grosso sobre Movimentos Sociais, nosso papo hoje é sobre os Black Blocs. Há tempos venho, especialmente no  Facebook, questionando, não a ação mas se os BBs brasileiros são mesmo Black Blocs. Nunca descartei a infiltração. E agora ela está, pela primeira vez desde muito tempo, sendo investigada. Existe a possibilidade, acredita a policia paulista que parte das ações tenham sido orquestradas de dentro dos presídios...  Abaixo, o texto na íntegra, que voce pode ler ta,bém na Folha do Estado.

 
Black Blocs: um movimento que só é novidade para o governo

A onda do momento são os Black Blocs. E aqui vale uma explicação: é “blocs” em oposição a “blocks”. O primeiro significa um agrupamento de pessoas para a realização de uma ação. Essas pessoas não precisam necessariamente  voltar a se encontrar em outra ação. Já “Blocks” é uma agrupamento sólido de matéria inerte. Ou seja, a primeira se movimenta e a segunda não.

Pois bem... O Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, reconheceu publicamente que o governo ainda não conseguiu entender o que sejam os Black Blocs. De acordo com ele, faltam interlocutores para dialogar com o governo para que se possa compreender esse movimento social.  Estranho, muito estranho, um ministro dizer isso, porque demonstra total desconhecimento do que seja esse movimento, que tem pelo menos vinte anos. E isso é inaceitável para alguém que ocupa um cargo tão importante e que está incrustado no poder feito tatuagem há pelo menos dez anos.

Eles, os Black Blocs, ficaram famosos quando em 1999, atacaram e destruíram fachadas de lojas e do escritório do McDonalds, da Starbucks e de outras grandes empresas para protestar contra uma reunião de ministros de países  associados à Organização Mundial do Comércio. Eles haviam surgido pelo menos oito anos antes, para protestar contra a Guerra do Golfo e se inspiraram nos movimentos autonomistas alemães da década de 80, que pretendiam, além de um confronto claro com o Estado policial, mostrar uma forma radical de ação aos demais movimentos de protesto.

Outra característica dos Blacks Blocs é exatamente não ter interlocutor, devido à sua faceta anarquista. Por isso soa estranha a fala do ministro, especialmente se levarmos em consideração que as principais ações são desenvolvidas em Estados onde o partido do governo tem interesse especial nas eleições do ano que vem: São Paulo e Rio Janeiro.

Nunca é demais lembrar que, na década de 70, o regime militar tinha o costume de infiltrar agentes no meio das passeatas pela Anistia, com o objetivo claro de começar uma confusão. Era a deixa que a cavalaria esperava para atacar, espancar todo mundo e acabar com as passeatas que, àquela altura, já eram “toleradas”. Será que os BBs brasileiros são mesmo Black Blocs ou agentes infiltrados para dar inicio às agressões e assim abrir espaço para a grande mídia, redes de TV especialmente, bater na tecla da violência da policia nesses estados (como se ela não fosse violenta nos demais),  e na tecla de “vândalos” e “vandalismos”?

Os BBs são anticapitalistas, daí o fato de  concentrarem seus ataques em bancos e outros símbolos do capitalismo. Há pesquisadores, entretanto, que os classificam como antissistema. Eles não concordam com o sistema como ele está funcionando hoje. E aí temos uma semelhança com os protestos de maio/junho no Brasil, protestos que, aliás, o governo também disse não entender.

Boa parte das palavras de ordem era contra o capitalismo, mas a maioria era contra o sistema, contra a forma que ele age hoje, mais desumano que nunca. O que se pediu nas ruas foi saúde, transporte, educação de qualidade, e combate à corrupção. E aí pode-se afirmar, sem medo de errar, que mais uma vez perdeu-se a grande chance de fazer uma transformação radical na vida do cidadão. O Legislativo e o Executivo tinham o pedido da “voz rouca das ruas”, mas preferiu não ouvi-la. O Ministro Gilberto Carvalho disse na época que havia interlocutores e que as reuniões com eles resolveram os problemas. Pura propaganda. Nas reuniões com o governo participaram apenas os grupos ligados ao próprio governo.

Já escrevi aqui que criou-se uma imagem, falsa sob todos os aspectos, que o brasileiro é um povo dócil, que beira a indolência, a anomia. A grande mídia tenta de todas as formas mostrar que o cidadão comum não aprova a tática dos Black Blocs. O Data Folha até pesquisa realizou (na verdade, uma sondagem) para mostrar isso. Parece que se esqueceram que não é de hoje que moradores da periferia das grandes cidades reagem com violência à violência do estado, fazendo barricadas, queimando pneus e fechando estradas. E ninguém falava em vândalos nem em vandalismo.

A grande verdade é que a reação dessas pessoas, desde sempre, é a reação de quem vive na pele a desigualdade que no Brasil, a cada dia ganha contornos mais trágicos. E que os sucessivos governos, inclusive o atual, nada fizeram para mudar esse quadro. A tal transformação da sociedade se torna a cada dia mais urgente.

A questão, me parece, é: a quem interessa que tudo continue como está com o abismo entre os que ganham mais e os que ganham menos aumentando cada vez mais? A quem interessa que os subalternos sejam cada vez mais subalternos?

 

 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A PARTIR DE HOJE TEMOS UM ENCONTRO MARCADO NA FOLHA DO ESTADO

Maurelio Menezes

Abaixo o primeiro de uma série que espero seja duradoura de artigos que escreverei para o Jornal Folha do Estado. de Mato Grosso. Você pode lê-lo na edição de hoje do jornal, que já está na Internet e daqui a pouco chega às bancas. Nossos encontros serão sempre as quintas feiras e o tema central será sempre os movimentos sociais e a capacidade que eles têm de mudar a historia de um país. Sejam bem vindos aos nossos encontros folhianos.


A dimensão pedagógica dos movimentos sociais

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O filósofo italiano Antônio Gramsci (1891-1936) afirmava que uma transformação duradoura da sociedade somente seria possível se houvesse uma elevação cultural das massas. Cultura não tinha para ele o significado que tem para o senso comum: ou seja, atividades culturais. Gramsci afirmava também que a escola tinha um papel fundamental na construção dessa elevação.

Mas poucas vezes se viu a educação se prestar a esse fim, uma vez que ela, ao longo dos séculos, tem servido apenas para manter o que Gramsci chamou de poder hegemônico. Aqui em Mato Grosso o tema foi pesquisado pela professora Maria Benicio Rodrigues e se transformou numa dissertação de mestrado que resultou, em 2009, no livro Estado – Educação Escolar – Povo: a reforma mato-grossense de 1910 pela Editora da UFMT. Uma das conclusões da professora Benicio foi que “A configuração da organização, estruturação e funcionamento das escolas públicas, [...] fundou-se em uma ideologia que visava a manutenção da ordem capitalista, [...]” (BENICIO, 2009, p. 102 ). Em outras palavras, a escola, ao longo do séculos, tem servido principalmente  para manter uma situação onde os subalternos continuem a ser subalternos e os dominadores a serem dominadores.

Se fizermos uma análise da história da educação no Brasil, perceberemos que ela foi construída a partir de rupturas, mas que nenhuma ruptura teve o objetivo de mudar radicalmente a situação da população. A primeira ruptura foi em 1500, com a chegada dos portugueses, trazendo um padrão próprio de educação, tradicionalmente rígido, repressivo até, e absolutamente contrário ao padrão existente aqui até a época, o dos indígenas, que, por estudos realizados posteriormente, eram livres. O segundo período teria começado com a chegada dos jesuítas ao Brasil, em 1549. Com eles vieram métodos pedagógicos que foram utilizados por cerca de 200 anos, até sua expulsão, pelo Marques de Pombal, que estabeleceu ai uma nova ruptura que desembocou num absoluto caos. Tentou-se as aulas régias e o auxilio literário, mas nada se estabeleceu como método pedagógico. Uma nova ruptura pode ser registrada no inicio do século XVIII, quando, com a família imperial fugindo de Napoleão, desembarcou no Brasil. Se é verdade que a família imperial não conseguiu implantar aqui um sistema educacional, não se pode negar que a transferência do reino para cá trouxe ganhos como a criação do Jardim Botânico, fonte de pesquisa, criação de colégios militares, escolas de Medicina e de Direito, e da Biblioteca Real.

Nos séculos seguintes houve novas rupturas, consequência da proclamação da independência e promulgação da primeira constituição nacional que em seu artigo 179 previa “instrução primária para todos os cidadãos”, da proclamação da república, com a chamada Reforma Benjamin Constant, que previa a laicidade e a liberdade no ensino, o que foi criticado pelos positivistas, que defendiam a base literária na educação e não cientifica como pretendia Constant.

Nas décadas seguintes houve reformas, coincidentemente em momentos nos quais movimentos sociais trouxeram com eles uma mudança nas características sócio políticas do Brasil, como a Semana de Arte Moderna, o Tenentismo, a criação do Partido Comunista,a Coluna Prestes. Foi nessa época, especialmente a partir da primeira década do Século XX, que se realizaram diversas reformas estaduais na educação, inclusive a pesquisada por Benício, citada anteriormente.

É comum se ouvir que aos governos não interessa uma reforma educacional que tenha como consequência a formação de um cidadão crítico, pois um cidadão sem visão crítica pode ser manipulado com mais facilidade. Se bem que não há como negar a verdade existente nessa afirmação, a questão é mais complexa que isso.

Afinal, se a escola não cumpre o papel de elevar culturamente o cidadão a ponto de lhe dar condições de promover uma transformação duradoura na sociedade, a quem caberia esse papel? Uma das conclusões a que Roseli Caldart chegou ao pesquisar a historia do MST para sua tese de doutorado foi que os Sem Terra se educam, se humanizam na luta, na participação do próprio movimento que desencadeiam. Para ela “enquanto contesta a ordem estabelecida, problematiza e propõe valores, transforma a realidade e se produz como sujeito da história,”.

Então podemos afirmar que os movimentos sociais possuem uma dimensão pedagógica capaz de produzir as transformações históricas? Isso é assunto para a semana que vem, já que essa é uma das respostas que vamos tentar encontrar aqui em nossos encontros, sempre às quintas feiras.

 

 

 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

CONCILIAÇÃO OU IMPOSIÇÃO?

Maurelio Menezes

Posto de Conciliação - Praça Alencastro
A prefeitura municipal de Cuiabá está encerrando um programa de conciliação de dívidas de habitantes da cidade, principalmente referentes ao IPTU, que tem na cidade uma das maiores taxas de inadimplência do país, algo em torno de 60 por cento, pela informações que tenho. De acordo com informações da secretaria de Finanças espera-se arrecadar cerca de 100 milhões com esse programa que, teoricamente, deveria ser bom para ambos os lados. Mas só teoricamente.

Os contribuintes deixaram de pagar o imposto pelas mais diversas razões. Há quem não tem escritura do imóvel, mas recebe a cobrança... Há quem comprou um imóvel, fez a transferência pagando todas as taxas municipais (ITBI, etc.), mas continuou a receber a cobrança no nome do proprietário antigo... Há quem deixou de pagar alegando ser um protesto pelo fato de a prefeitura jamais ter prestado nenhum tipo de benefício nem mesmo próximo do endereço do imóvel... Há quem não pagou porque teve que optar entre pagar o imposto e colocar um pouco mais de comida (ou até mesmo remédios) em casa... Enfim, há de tudo. E o detalhe é que em todos os postos de conciliação o aparente perfil de quem estava lá era o de pessoas simples, humildes. Os grandes devedores do IPTU não se fizeram presente. Seria o acerto deles feito de outra forma?
Como instituição que teve ter como principal objetivo a prestação de serviços e a preocupação com os aspectos sociais que envolvem seus contribuintes, a prefeitura deveria levar em conta todos esses fatores (e outros não apontados aqui) para fazer uma conciliação. Não foi isso que aconteceu. O que houve foi uma imposição e cobranças que me parecem abusivas e para as quais não havia ninguém no local para dar explicações minimamente aceitáveis.
O Edital aprovado na Câmara para a Conciliação foi desrespeitado em diversos ítens. E, sobretudo, surgiram numeros não previstos nem mesmo no link onde o contribuinte pode pesquisar sua situação fiscal. Vamos aos fatos:
1. Deveria haver pelo menos um Procurador em cada local onde estivesse sendo realizada a conciliação. Hoje, quarta-feira, não havia nenhum na Praça Alencastro. Pelo menos foi essa a informação que davam a quem os procurava  (isso sem contar os funcionários que chegaram depois de 08h00 quando começou o atendimento);
2. Na planilha com os débitos  inseriram um item Atualização que nenhum conciliador sabia explicar do que se tratava. Em pelo menos um caso, depois de muita insistência,  uma jovem que se apresentou como "advogada concursada formada na UNIC e com registro na Ordem"  informou que se tratava da "atualização monetária" da dívida. Peguntada o que seriam, então, os juros igualmente cobrados e que , esses sim, existem para atualizar monetariamente a dívida. Aliás, por isso mesmo eles sçao conhecidos como juros de mora. Ela enrolou, enrolou, mas não explicou. Pelo contrário, a explicação que deu deixou mais claro que se tratava da mesma coisa. Cometeu, inclusive, o absurdo de dizer que os juros eram de um por cento ao mês para, como prevê a legislação, dar 12 por cento ao ano. Primeiro que um por cento ao mês dá mais que 12 por cento ao ano. E segundo, e principal, não existe legislação que fixe a taxa de juros em 12 por cento ao ano. A verdade, me parece, é que davam um desconto nos juros e devolviam a cobrança nesse item inventado. Há um caso, inclusive, em que a atualização de um IPTU atrasado de 2002 foi de quase 500 reais. Mas a atualização do IPTU atrasado de 2001 do mesmo contribuinte foi de menos de cinco reais.
3. A "advogada concursada" garantiu que todas as dívidas que estão no sistema foram inscritas na Dívida Ativa antes de completarem cinco anos. E mostru no sistema  um caso em que um IPTU de 1998 foi inscrito na divida ativa em janeiro de 1999. O devedor garante que não é verdade porque ele é o caso em que a cobrança ia no nome do proprietario anterior. E foi todos os anos até a prefeitura para resolver o problema (somente solucionado quando houve uma interferencia direta do então prefeito Roberto França e do então secretario de Finanças, Vivaldo Lopes a quem ele conhecia) e nunca constava como dívida ativa. Logo a inclusão na dívida ativa, pelo menos nesse caso foi feita por um passe de mágica.
4. A prefeitura está cobrando "emolumentos" e todas as prestações pactuadas com os constriuintes, o que me parece mais um abuso. Juridicamente podemos definir emolumento como sendo "[...] taxas remuneratórias de serviços públicos, tanto notarial, quanto de registro, configurando uma obrigação pecuniária a ser paga pelo próprio requerente.".  Acontece que o requerente fez a requisição apenas uma vez, no momento da conciliação. Mais uma prova que essa cobrança é abusiva e que a propria prefeitura ao enviar o carnê do IPTU para o contribuinte cobra o emolumento, hoje em R$ 14,74 apenas uma vez. Isso significa também que um contribuinte que parcelou a divida dele em 48 vezes irá pagar cerca de 700 reais a mais para a prefeitura.
5. Feito o acordo é calculado um percentual de 5 por cento como "honorários advocatícios". Uai! Mas os advogados da prefeitura já não recebem salários, pagos, diga-se de passagem com o dinheiro do contribuinte? A "advogada concursada" disse que essa cobrança está prevista no Estatuto da Ordem e no Estatrudo dos Procuradores. Pode até estar, mas, no caso,  é imoral. A prefeitura não é uma empresa que está tentando recuperar ativos perdidos. E nesse caso não está tendo despesa alguma (nem mesmo os boletos do acordo eles estão imprimindo. Os conciliadores têm ordem de imprimir no máximo quatro). A conciliação, que mais parece uma imposição, não está requerendo o serviço de advogado algum. Mais ainda. Diversas pessoas que foram procurar a conciliação afirmam que jamais foram notificiados de nada. Ou seja,  o contribuinte está pagando  por um trabalho que não foi feito em momento algum.
A tal "advogada concursada" repetiu diversas vezes que caso o contribuinte não concordasse com o que estava no sistema era simples: que entrasse na justiça contra a prefeitura. Um péssimo comportamento para quem está começando a carreira pois demonstra não ter sensibilidade para perceber o que significa a profissão que ela abraçu e muito menos o local onde trabalha.
É lamentável tudo isso que pode até não ser, mas tem todas as caracteristicas de um golpe (mais um) em cima do contribuinte, pois a impressão final é que a prefeitura, nesse episódio, está se comportando como uma empresa de quinta categoria que anuncia uma liquidação, mas antes de iniciá-la aumenta o preço dos produtos que vende num percentual superior ao desconto que irá dar ao consumidor. Muito triste isso.

terça-feira, 9 de julho de 2013

UMA RESPOSTA AOS MANIPULADORES QUE VÊEM NOS PROTESTOS AÇÕES DA "DIREITA"

Maurelio Menezes

Compartilho aqui, porque concordo em gênero, número e grau, concordando, portanto, com Francisco de Oliveira, para quem  a direita não pretende assumir  o poder porque ela já está no poder . Quem preferir ler o original, pode fazê-lo aqui.  Esse texto serve também, para mim, de resposta a outros, como um de Leonardo Boff, que vem sendo exaustivamente divulgado nas midias sociais pela tropa de choque da mesma direita, travestida de socialista que já está no poder.
 
A volta dos que não foram
 
 Francisco Mata Machado Tavares*

Francisco Mata Machado Tavares
Ouve-se no Brasil destes dias de junho e julho de 2013 um grave e recorrente aviso. Trata-se do alarme, em geral proveniente dos palácios governistas, sobre os riscos atinentes à iminente “volta da direita” ao poder na chefia do Executivo da União. Seja por golpe de Estado, na versão dos mais aflitos, seja por meio do sufrágio, segundo outros igualmente ressabiados, acautela-se a nação com a possibilidade, intensificada pelos protestos de rua, de um regresso dos setores sombrios, reacionários, perigosamente nefastos à República e à participação social em nossa crescentemente inclusiva sociedade.

Tenho lido muitos romances da cultura cyberpunk. Dei-me a assistir, com estranha frequência, à filmografia das distopias de um mundo low-life-high-tech, como The Dune, Matrix ou Blade Runner. E, patologicamente imerso nessa estética, tenho até mesmo dedicado algumas horas mensais a jogar um videogame chamado Deus Ex: Human Evolution, cuja narrativa se dá em um caótico ano de 2027, quando as corporações controlam a política e a biotecnologia promete, a um só tempo, potência e disciplina, saber e dominação, de um modo que bem ilustr a o ponto acadêmico dos estudiosos do biopoder, ou mesmo dos críticos da razão instrumental.

É assim que, diante dos constantes alarmes sobre os riscos da apocalíptica “volta da direita” e imerso em distopias ficcionais sobre um futuro próximo assustadoramente verossímil, deparei-me, qual Gregor Samsa, com os mais intranquilos sonhos (espero não acordar metamorfoseado em variantes bizarras ou improváveis, como, talvez, um petista que se diga socialista), nos quais vejo detalhes desse pavoroso Brasil sob o restaurado jugo das forças de direita. Nesse psicanalítico expediente orientado a superar o meu pânico, peço-lhe s, leitores, vênia para externalizá-lo e detalhá-lo convosco. O meu pesadelo se dá em treze atos, em cabalístico mimetismo do número de um partido brasileiro.

1) Quando a direita voltar ao poder, uma concepção tecnocrática de desenvolvimento, própria da época em que os militares governaram, será restabelecida. Projetos sobre os quais não se ouvia falar desde os tempos de Médici, como a Usina de Belo Monte, serão retomados e conduzidos em parceria com grandes conglomerados do capitalismo oligopolista. Indígenas serão assassinados e, quando menos, publicamente insultados por ministras de Estado. A Polícia Federal confiscará o material de trabalho dos jornalistas que cobrem conflitos ambientais e agrários. A Força Nacional de Segurança será despachada para reprimir insurgências operárias nas grandes obras da Amazônia. A legislação ambiental será dilacerada, sob efusivos aplausos de lideranças latifundiárias, aliadas à regressante direita em seu governo.

2) Quando sofrermos a iminente volta da direita, o governo será aliado indissolúvel das bancadas parlamentares teocráticas. Seu partido abdicará da coordenação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em benefício de um notório teocrata. As políticas públicas educacionais voltadas ao respeito à população LGBT serão desqualificadas pela Presidente da República como “propaganda de opção sexual”. É possível, até mesmo, que se faça aprovar uma bolsa orientada a inibir o exercício, por mulheres vitimadas por violência sexual, do direito ao aborto legal.

3) Acaso as pessoas continuem a protestar e abram as portas da história para o regresso direitista, é certo que o Governo Federal combaterá com mão de ferro as rádios livres, ao tempo em que inverterá bilhões em favor das grandes empresas de comunicação de massa.

4) No mais pavoroso cenário, o Brasil comandará uma invasão a um paupérrimo país da América Central e nossos militares serão acusados, qual estadunidenses no Iraque, de todo tipo de prática indevida. É até possível que o Wikileaks deixe transparecer quea empresa têxtil de um finado vice-presidente direitista tenha intenção em ingressar no país invadido, conformando-se uma curiosa versão sub-equatorial do direitista Dick Chenney.

5) Dizem que se a direita voltar ao poder será inexorável o restabelecimento das privatizações e dos favores estatais ao grande capital. Leilões de reservas petrolíferas, alteração da legislação portuária com finalidades privatizantes, concessões de aeroportosà iniciativa privada, exonerações fiscais ao grande capital e práticas afins serão uma rotina nesse dantesco cenário de restabelecimento do governo pelas forças do atraso.

6) Acaso a direita acesse a Presidência da República novamente, é certo que tentará fazer de Renan Calheiros o Presidente do Senado. É inevitável que José Sarney volte à cena política e, no mais assombroso cenário, há alguma chance de nomes como Collor e Maluf restabelecerem as respectivas carreiras, sob os auspícios do partido da direita.

7) Se os nossos inimigos voltarem, creio que até 47% dos recursos do Orçamento da União serão dedicados ao adimplemento da dívida pública e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cujo artigo 26 determina sua auditoria, permanecerá uma letra morta. É possível que o sistema tributário se torne ainda mais regressivo do que nos anos FHC e que os pobres, por conseguinte, vivam sob uma escorchante carga tributária, ao passo que os ricos experimentem padrões de arrecadação próprios de paraísos fiscais.

8) Com a volta da direita, pode ser que aprovem uma lei ordinária com o escopo de afastarem, em favor da FIFA (e, por via oblíqua, das corporações que tal entidade representa sob o estímulo pecuniário de patrocínios oficiais), liberdades fundamentais de expressão e de associação dos brasileiros, proibindo-se, por exemplo, faixas de protestos dentro dos estádios de futebol ou em suas proximidades. Imagina-se até mesmo que a Presidente mande sua Força Nacional para reprimir ativistas e faça pronunciamentos em rede nacional com apelos clamorosos ao primado da lei e da ordem.

9) A direita manterá os gastos da União com educação superior nos mesmos 0,7% do PIB dos tempos de FHC, mas expandirá o sistema nominalmente, dando origem a universidades com aulas em containers e a professores com vencimentos reais inferiores aos dos direitistas tempos de Paulo Renato Souza. O partido da direita, quando gerir municípios, dilapidará o SUS e apostará no privatizante modelo das organizações sociais. As estradas no país da direita serão custeadas por pedágios. O transporte público será exceção, enquanto os incentivos fiscais à indústria automotiva serão a regra.

10) Se a direita voltar, seu partido não receberá ativistas ou manifestantes. Tentará confinar-lhes em espaços controlados e assépticos, como conferências mantidas pelo governo do partido, para que sejam frequentadas por filiados ao partido, onde terão diálogos com empresários que financiam as campanhas do partido. Quem for às ruas conhecerá a mais violenta máquina de violação dos direitos humanos, a se manifestar na Bahia, no Rio Grande do Sul, no Distrito Federal e onde mais o grupo da direita governar. Onde não governarem, pedirão apoio das forças policiais dos governos de seus adversários, em uma aliança tática contra a democracia e os direitos políticos ou civis.

11) Se a direita voltar, ai meu Deus, o país começará a se desindustrializar e ocupará o papel precípuo de exportador de commodities minerais e agrícolas sem valor agregado, semeando no presente a grande crise do futuro.

12) No governo da direita, ao menor sinal de inflação (que será uma inflação de preços, impulsionada por tarifas administradas pelo governo em favor do grande capital, antes de inflação de demanda) o Banco Central elevará a taxa de juros SELIC, semeando recessão e usura.

13) No governo da direita, assim como se alardeava o milagre econômico em Médici, a máquina oficial de propaganda, onipresente (depois de bater recorde de fechamentos coercitivos de rádios livres) da grande mídia (dizem que a Veja dedicará capa laudatória à Presidente da direita e que a Globo receberá somas recordes de publicidade governamental) à blogosfera, vai dizer que a renda nacional foi desconcentrada. Mas, se alguém perguntar sobre os dados referentes à diferença entre renda do trabalho e renda do capital, os intelectuais da direita dirão que é metodologicamente impossível medir tal separação, de modo que ficarão satisfeitos em dizer que remediados passaram parcos recursos aos pobres, enquanto os bilionários enriqueceram como nunca.

Que a direita nunca volte! Que o presente nunca aconteça! Voltemos ao passado em nossas máquinas do tempo e desçamos em julho de 2013, para, ali, derrotarmos, nas ruas, o governo da direita que, àquele tempo, ainda não era conhecido por seu nome real!

 *Francisco Mata Machado Tavares é Bacharel em Direito pela UFMG. Mestre e doutorando em Ciência Política pela UFMG. Professor Assistente da Faculdade de Ciências Sociais da UFG.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

REFLEXÕES SOBRE A PRIMAVERA BRASILEIRA -- UM OLHAR SOBRE A VIOLÊNCIA

Maurelio Menezes

Muita gente ainda está atordoada com o que está acontecendo no pais. E as análises são, ainda, as mais desencontradas... Os veiculos de comunicação somente agora estão acordando para o momento e, principalmente para o significado desse momento que, permite diversos olhares. Um deles, bem claro, é  sobre a violencia que tem sido registrada em algumas cidades, a reação a essa violencia e, especialmente, ao constante bater na tecla da necessidade de que os protestos sejam pacificos. E nesse bater de tecla todos, indistintamente, que não se comportam são chamados de baderneiros, vândalos, sempre com destaque que eles compõem uma minoria.
Durante décadas os meios de comunicação construiram no Brasil a imagem que nós somos um povo pacífico. ordeiro, o pais do futuro e a pátria do evangelho. Com o tempo esse estado ganhou o status de anomia, ou seja de falta de objetivos, de subserviência, de perda de identidade, da não participação, enfim de se estar à deriva, ou misturando Erasmo com Chico, de se estar sentado à beira do caminho vendo a banda passar.
Evidentemente que a construção dessa imagem, como todas as construções de imagens, escondia interesses inconfessáveis, o principal deles que para o sistema vigente (seja ele qual for) quanto mais pacifico for o cidadão, mais facilmente ele será objeto de manipulação.
No caso da Primavera do Brasil (aliás, somente poderia mesmo ser no Brasil, a primavera chegar no final do outono e inicio do inverno) os veículos de comunicação somente agora estão acordando... E
com eles boa parte da população que, a cada dia fica mais claro, percebeu que o que vem por aí, seja lá o que for, é irreversivel.  Isso ficou claro, por exemplo, na manifestação de cerca de 70 mil
vozes no protesto de 20 de junho. Muita gente que estava ali não tinha o sentido exato do porque ali estava, mas tinha certeza que estava particioando de um grito de basta, de mudar é necessario. As reinvindicações, como em todo o pais, eram difusas. Em São Paulo teve gente protestando até contra o preço da ração para chachorro. Em Cuiaba, uma dupla de estudantes usou humor para protestar, pedindo num cartaz à presidente Dilma para reduzir 20 centavos no preço de uma marca de cerveja para, ai sim, ela descer redondo.
Mas e os atos de violencia que eclodem aqui e ali nos protestos? Sempre aprendemos que nao se deve generalizar nunca. E é exatamente isso que está se vendo na cobertura dos protestos, uma generalização perigosa. Afinal, não se pode colocar na mesma cova rasa manifestantes que reagem á violencia da policia, que, aliás, deveria estar preparada para gerenciar momentos de tensão, com outros que invadem e saqueiam lojas.
Sem dúvida alguma, a midia prestaria um serviço maior ao pais se deixasse claro que alhos não são
bugalhos. Se questionasse, por exemplo, o fato de na segunda feira no Rio um dos carros que foi incendiado, antes de ser tomado pelo fogo ficou cerca de 10 minutos com uma pequena chama no
interior, mas a policia que ali estava não fez nada para impedir o óbvio, a explosão, o que era possivel com uso simples de um extintor de mão.  Porque não o fez? Não haveria ali o interesse inconfessavel que o fogo se alastrasse mesmo exatamente para poder se acusar o movimento de baderneiro. Afinal se no momento a cobertura da midia falava que era um pequeno grupo, para a historia a imagem que vai ficar é a do corro explodindo...
Enquanto não mudar seu comportamento em relação a isso estará deixando a clara impressão que o pregar a paz esconde uma preocupação que essa violencia se volte definitivamente contra ela e contra o sistema que ela, midia, representa. 



quinta-feira, 11 de abril de 2013

ÁLCOOL, A DROGA QUE PRECISA SER COMBATIDA

Maurelio Menezes

Entra governo e sai governo e não se toma uma posição clara contra essa  que é a pior droga que existe, a porta de entrada para todas as outras. Os estragos que o álcool faz na familia, e na vida de todos são conhecidos, mas não se toma uma providencia por um motivo simples: a indústria de bebidas é uma grande contribuinte do poder publico, não apenas em impostos, mas como doadora para Caixa 2 de campanhas politicas.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde -OMS-, a bebida é mortal para os adolescentes,  além de ser a principal causa de morte em homens entre 15 e 59 anos: 320 mil pessoas entre 15 e 29 anos morrem ao redor do mundo por ano  em consequencia do consumo do álcool. Mais ainda, se considerarmos todas as faixas de idade, de acordo com a OMS, sobe para  2,5 milhões o número de mortes,  número maior que as mortes causadas pela AIDS, tuberculose ou violência física.
Quer outro dado alarmante:  Há 9 anos  o Álcool, conforme dados divulgados pela ONU, é considerado o principal causador de 60 tipos de doenças, como cirrose, epilepsia, diferentes tipos de câncer -como o colorretal, mama, laringe e fígado, e ferimentos, provocados em casa, no trabalho e em acidentes de trânsito.
Só no Estado de São Paulo, o mais populoso do país, a cada 20 minutos uma pessoa é internada por problemas decorrentes do uso do álcool. O custo para os cofres públicos é inestimavel e somente vai diminuir quando houver uma política eficiente de combate a essa droga. Mas, infelizmente, andamos na contramão dessa idéia.  No Brasil, especialmente  no primeiro governo Lula o investimento no combate ao alcolismo diminiu radicalmente. De acordo com pesquisa do economista Daniel Cerqueira, da Fundação Getulio Vargas, do Rio, em 2007,inicio do segundo governo Lula,  o investimento do Governo Federal no combate ao alcoolismo caiu de 413 milhões de reais no final do governo FHC, para 223 milhões. O mais grave é que nesse periodo, pesquisa da UNIFESP revelou que o alcoolismo era o principal problema de saude publica do Brasil, que tinha mais de 10 por cento de suas mortes ligadas a problemas de consumo de alcool.
Enquanto o poder público não toca nessa ferida, para não perder o faturamento (oficial e extra oficial) gerações e mais gerações vão sendo destruidas. Afinal, o uso de alcool por menores de 18 anos  tem entre suas consequencias, a demencia. E, em todas as idades, o consumo excessivo também afeta diretamente o cérebro e leva a mal-estar físico e psíquico, perda do controle, comportamento antissocial, enjoo, vômitos, tontura, ressaca, dor de cabeça e depressão.
Hoje na Folha de S.Paulo, há um depoimento impressionante de uma alcoolatra, dona de casa, Sueli, que hoje tem 46 anos (o jornal se refere a ela como ex-alcoolotra,  o que, de acordo com integrantes do Alcoolicos Anonimos não existe). O depoimento segue abaixo, mas se voce preferir, pode acessar o texto aqui.

 
Foto: Eduardo Knapp/Folhapress
"Fui abandonada pela minha mãe aos seis anos de idade e passei a ser criada pela minha avó. Era uma família que não gerava amor, carinho. Gerava álcool. Meus avós, minha mãe e meu irmão, todos eram alcoólatras, e minha irmã morreu de overdose. Todos já se foram.
Comecei a beber cedo, com 15, 16 anos, por embalo. Ia para os bailinhos nos fins de semana, mas era tímida, tinha vergonha de namorar, de dançar. Aí descobri que depois de algumas cervejas me tornava poderosa. Dançava, namorava, xingava. Aos poucos, comecei a beber também às quintas e às sextasAos 21 anos, engravidei na balada. Foi o meu apagamento. Não lembro de nada. Não sei quem é o pai da minha filha. Mesmo grávida, continuei bebendo e frequentando balada. Tive minha filha. O normal de uma mãe é cuidar de uma filha recém-nascida. Mas comigo isso não aconteceu. Eu largava minha filha com minha avó alcoólatra e voltava para a vida do álcool e das baladas.
Quando minha filha tinha nove meses, resolvi morar com um homem que mal conhecia em São Paulo. Tive sorte, foi um homem que me acolheu, que falou: 'Pare de trabalhar e cuide da sua filha'. Era tudo o que eu queria: alguém para nos sustentar. Mas em vez de cuidar da minha filha, passei a beber mais e mais. Só que em casa. Eram os meus vizinhos quem cuidavam da minha filha.
Depois começaram as brigas, físicas e verbais. Ele chegava em casa do trabalho e queria a esposa. Encontrava uma bêbada. Quatro anos depois, nasceu a minha segunda filha. Também a gerei no álcool.
A partir daí, o descontrole foi total. Era minha filha maior que cuidava da caçula, de mim e da casa. Eu só me lembrava das coisas até o momento que deixava a menor na escolinha, às 10h. Depois, passava na quitanda, comprava bebida [no começo era cerveja, depois passou a ser pinga com açúcar], começava a beber em casa e apagava tudo.
Não me lembrava de buscar minha filha na escola e, às vezes, estava tão bêbada que a tia não deixava que eu a levasse. Comecei a perceber hematomas nas minhas filhas, mas não lembrava que tinha batido nelas no dia anterior.
Um dia, pedi para a menor, que na época devia ter uns cinco anos, comprar uma garrafa de vinho no meio da chuva. Na volta, ela deixou a garrafa cair e pagou caro por isso. Eu dei um coro tão grande que ela ficou dois dias de cama [começa a chorar compulsivamente]. No dia seguinte, eu não lembrava de nada. E ela dizia: 'A senhora me espancou. Eu odeio a senhora, não tenho mãe'. Até hoje ela não me perdoa. Já a maior conseguiu entender que tudo o que eu fiz foi por causa de uma doença chamada alcoolismo, não foi por maldade.
No dia 13 de janeiro de 1998, decidi dar um novo rumo na minha vida. Meu marido chegou em casa e disse que queria se separar. Eu estava bêbada fazendo o bolo do aniversário de 11 anos da minha filha mais velha.
Naquela noite, passei praticamente no banheiro, vomitando. Uma hora, me ajoelhei no chão e pedi: 'Deus, me ajuda porque sozinha eu não consigo'. Veio então o AA [Alcoólicos Anônimos] na minha cabeça.
Liguei para o telefone de plantão e o atendente me indicou uma sala do AA. No dia seguinte, ingressei na irmandade.
A partir daí, comecei a ser mãe de fato. Depois disso, tive mais dois dois filhos, que hoje têm 14 e 11 anos. Eles dizem: 'Mamãe, eu te amo'. Das minhas filhas mais velhas, eu nunca ouvi isso.
Faz 15 anos que nunca mais coloquei uma gota de álcool na boca. Só por hoje."